sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Outro Rascunho

O cheiro da roupa de cama recém lavada e posta sobre os pés de Sophia me fizerem lembrar do primeiro riso de bom dia que escutei sair dos seus lábios, o caminho suave que percorreu até meu ouvido, tilintando o prazer de tê-la ao meu lado. Nem é mais o mesmo sabão em pó, mas o cheiro é tão parecido que ela ainda sorri do mesmo jeito, apoiando o rosto sobre as mãos, fechando firmemente os olhos e me revelando todos os dentes brancos, apesar de ainda nem ter saído da cama pra escová-los, linda como sempre. Linda com o pijama descascado com o tempo e os cabelos bagunçados mal ajeitados atrás das orelhas. Ainda me lembro do receio que ela tinha de que eu a visse sem maquiagem, mas eu já sabia do contorno dos olhos dela, dos poucos cílios que o adornavam, do castanho escuro que vinha escorrido da pupila preta, os cantos bem puxados, acentuando esse ar exótico que expandia meu dia de alegria. A verdade é que ela sempre foi a razão do bom dia ser verdadeiramente um bom dia, e do boa noite ainda ser boa noite depois de um dia inteiro de trabalho, cansado, exausto, sujo, fedido. E ela vem com as mãos ainda úmidas de saudade contornar meu pescoço e sussurrar no ouvido o quanto ela me ama e perguntar como foi meu dia, e eu com a pele suja do meu suor me permitia mesclar com a saudade dela do meu cheiro, pra que o cheiro dela me fizesse lembrar do motivo dos meus dias. Como se o riso dela caminhando e contornando a minha cabeça já não fosse suficiente. Se já não fossem os lábios molhados, a língua mordida no canto da boca e os olhos dela confundindo os meus, os olhos dela confundindo-se com os meus.

E não me importa o tempo que passou, a poeira por sobre a cômoda do quarto, nem o vidro mal colocado sobre a mesa de centro da sala. O importante é o estado conjugal que nos encontramos agora. Totalmente mergulhados e ensopados até as pontas de tanto amor, e não aquele amor vazio, repentino, que mexe com o sexo e não com o coração, é aquele amor que causa amor, que sofre amor, que respira amor, amor por si só, independente de ausência ou presença, de beijos ou de brigas. Não é simplesmente estar casado e viver dessa comunhão, é um estado, é outro verbo, o verbo ser, verbo de ligação tanto quanto estar, mas com nós mais firmes, não nós que prendem, que murcham, mas nós de sentimento, nós de carinho, de beijos, de abraços e cafunés estendidos até a madrugada.

Ela nunca gostou muito das minhas brincadeirinhas, sempre que dizia a ela que não a amava mais ou que a letra dela é feia ou então pra ela me dizer quando não gostasse mais de mim. Ela sempre se sentia insegura quando minhas palavras a invadiam de medos e incertezas, mal sabia ela o tamanho do meu amor. Mas nunca deixei de amá-la. E ainda amo, apesar do vento que enruga a minha pele e do gosto ser sempre azedo ao passar pela minha garganta. Mas eu nunca me importei mesmo, se a comida tinha mais ou menos sal, ou se o doce não era doce. Os lábios dela contornando a minha boca de saliva mexiam com toda a percepção de sabores da minha língua, eu já não podia sentir o gosto de mais nada, só o sabor indecifrável da boca dela mordendo a minha, a boca seca com saudade da dela. E ela não pode ficar longe de mim por muito tempo. No começo achamos que íamos enjoar de tanto grude, mas a nossa liberdade tinha saudade de ficar junto, de por os braços em volta um do corpo do outro. Ela ainda diz baixinho no meu ouvido, Eu te amo, Lucas! E eu ainda sinto o mesmo arrepio na nuca toda vez que o calor da boca dela encontra os pelos do meu pescoço e desmancha minha coragem em uma vontade louca de tê-la ainda mais perto.
Não sei o que me dói mais. Se, são os beliscões que ela está me dando agora enquanto digito essas palavras meladas de carinho, ou a saudade que sempre me dá das mãos dela acariciando meus dedos indicadores, ou dos dedos dela brincando com a minha boca, com a minha língua. Ela nem imagina a sensação de paz que encontro em meio a selva dos dedos dela percorrendo meus inúmeros caminhos, minhas trilhas. É marcante a saudade que ela sente de mim, Chega a ser hipócrita tamanho egoísmo que ela sente, tamanha possessão, mas eu sempre fui loucamente apaixonado por todo esse egocentrismo que exige de mim a presença mais próxima, a distância mais próxima, o carinho mais próximo, os beijos mais próximos, as discussões mais próximas. No início sentia-me um pouco sufocado quando os braços dela não me deixavam partir quando eu tinha que partir, ou quando eu precisava do meu tempo comigo mesmo, sem mulher, sem nada, só meus pensamentos, minhas divagações. Ela nunca tolerou minha ausência estar do lado dela, quando o que ela mais precisava era de mim. E eu nunca precisei dela, eu apenas quis, e quero, e vou querer. Ainda as cócegas que ela me dá liberando da minha boca os risos e sorrisos prediletos dela, e o mais bonito é ela rir de volta, aceitar meu convite de viver uma vida lado a lado e não sozinhos. Jamais. E é esse ponto que quero discutir, contar, revelar. Talvez nossas vidas pareçam simplesmente Lucas para Sophia e Sophia para Lucas, mas o amor que somos não vem de nós..

Marcella Casari

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Rascunho

Eu não sei se encaro essa saudade toda como uma cólica ou sei lá o quê. Eu nem sou mulher pra saber o quanto isso dói. Mas eu sinto saudade. É que a nossa liberdade sente saudade de ficar junto. E caramba, eu detesto toda essa sentimentalidade, eu não pareço homem desse jeito. Porque quando ela olha pra mim eu já não sou mais o mesmo homem, viril, forte, corajoso. Eu sou um covarde, fraco, eu sou dela quando ela mete os olhos na minha cara. Eu sou dela quando ela brinca com os dedos dentro da minha boca. Eu sou dela quando ela beija o canto da minha boca. E ela não faz ideia disso, vai ver ela tenta ignorar, achando que só ela alucina. E a melhor parte disso é que eu não preciso pedir pra ela me amar do jeito que eu quero ser amado, porque convenhamos nem toda mulher sabe amar um homem como se deve. E até mesmo a insegurança dela me comove, e eu aperto os braços em volta dela e ai eu sei que ela já foi minha bem antes de eu perguntar. Eu adoro a histeria com que ela lida com as minhas brincadeirinhas, a confusão que ela faz atôa, sem razão, eu adoro quando ela perde a razão e coloca toda a culpa em mim, e cabe a mim acalmá-la, mas não é fácil. Mulheres não são fáceis, gostam de ser contrariadas e jamais aceitam que nós homens tenhamos razão. E eu detesto admitir, mas algumas vezes elas estão certas. Não contrarie uma mulher quando ela te pedir pra não desistir dela. O maior medo delas é a gente topar ir embora.

Eu tive certeza que era ela. Mesmo com toda a histeria, crise e chatice. Foi coisa de filme de comédia-romântica, desses que elas nos obrigam a assistir, pra que a gente aprenda a ser daquele jeito. E quando a gente aprende, estamos fazendo tudo errado, e elas nos mostram outro filme, até que percebem que não somos nenhum galã de Holywood, mas até lá foram inúmeros saquinhos de pipoca e goles de coca-cola. Eu tive certeza porque ela não é nada do que eu pedi a Deus. Não mesmo. Ela é bem melhor. E não duvide quando te dizem que Deus sabe o que faz. Porque ele sabe mesmo. Eu tenho muito que reclamar, mas não a trocaria por nada desse mundo. Tenho muito que descobrir, muito a fazer, mas ela sorri pra mim o tempo todo e eu sorrio de volta, assim eu sei que ela ainda combina comigo. Que debaixo de toda aquela chatice tem a minha mulher. O mais engraçado é ela me fazer falta. Porque quando um homem confessa que a mulher faz falta, ai tem coisa errada. É amor. Não demorei muito pra sacar que ela ia me fazer feliz pro resto da minha vida.

Mulher não diz. Mulher quer que adivinhem e o homem é obrigado a adivinhar. Descobri isso a muito custo. Mulher fala, mas não diz. E fala muito. Às vezes até demais. Ela nunca vai falar que não gostou, mas a cara dela diz tudo. E quando eu digo que não gostei, ela surta, pira e fala que não ta certo isso, me abraça e fala que quer tanto me fazer feliz. E ela faz. Só que ela não sabe. Pra uma mulher dizer nunca é o bastante. Eu sou completamente apaixonado quando ela fala que me ama, olha nos meus olhos e me pede um beijo. Adoro quando ela tenta ultrapassar nossos limites, me por em prova de fogo e não é pra testar o meu amor ou o meu senso de masculinidade, ela faz porque gosta do que eu faço.

Eu nunca concordei com a ausência dela. E quero mais e levá-la pra morar comigo, pra cuidar de mim, arrumar a nossa cama, tirar a minha roupa, reclamar da toalha molhada jogada pela casa, pra ela brigar comigo dentro dos meus braços. Ela diz que vem, mas eu não sei se ela seria feliz com a mala pesada que eu carrego comigo, ta, não ta tão pesada assim, vai, eu vi que a dela é muito pior que a minha e que juntos somos as piores pessoas do mundo. Mas e daí? Eu não quero que ela venha construir uma vida comigo sem que eu saiba o nome do primeiro cara que ela beijou. E eu sei que eu vou querer socar a cara dele. Ele que não me apareça. Eu gosto do passado dela. Ah, como eu queria ter estado lá pra que ela não pudesse viver tanta coisa ruim, e como eu queria que ela estivesse do meu lado quando eu achei que não tivesse ninguém. E vai ver, eu não tenho mesmo. Mas agora que ela existe, eu posso dizer que meu sorriso tem razão de ser.

Ela vai querer jogar um vaso na minha cabeça. Ela vai gritar comigo. Ela vai surtar. Ela vai chorar, muito. Ela vai rir alto. Vai ser irônica, sarcástica e esperar compreensão. E ai de mim se não estiver pronto. E eu não vou estar. Vou desistir dela várias, várias vezes e ela não vai me convencer a voltar. Não vai mesmo. Ela vai me xingar, me mandar plantar coquinho no asfalto e eu ainda serei completamente apaixonado por ela. Ela vai ficar gorda, feia, pelancuda, com mais cabelos brancos que eu, e eu ainda vou amá-la. Não serão os escândalos que me farão voltar a dormir do lado dela. E eu sabia que com ela eu ia poder ser eu mesmo e ela continuar a mesma. Homem apaixonado é uma bosta. Mulher apaixonada não faz mais do que a obrigação.

Marcella Casari

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Uma dica: foi pra Ele que eu entreguei minha vida

Se o meu desejo real fosse seguir minhas próprias leis eu estaria perdida. Não me sinto muito a vontade com essa coisa de ser normal. Poxa vida, mas todo mundo faz isso, o que você tem na cabeça pra não fazer...também? A diferença não está no que tenho na minha cabeça e sim a convicção que tenho no meu coração. Eu até poderia sorrir mais caso eu bebesse copos e mais copos de vodka, mas eu não sei bem que peso meus lábios exerceriam sobre todo o meu corpo, não sei se o gosto do álcool invadindo minha corrente sanguinea seria tão prazeroso assim quanto um sorriso clássico de piadas entre amigos e conversas saudáveis a base de coca-cola. Eu não sei me divertir sendo comum. Acho que esse meu apetite por ser esquisita me leva por caminhos as vezes solitários, onde eu vejo uma sombra tentando me guiar pelas mãos, pra que dessa vez eu não tropece nem deixe de brilhar. Eu gostaria muito de te convencer que essa sombra é de uma árvore, ou de alguma pessoa que quis estar comigo sempre que eu estou só, mas eu não posso. Essa mesma mão que segura nas minhas, que levanta minha face e enxuga meu pranto... bom, não imaginaria uma árvore fazendo isso, não? E se eu te disser que é o criador da árvore? E do homem que achou que fosse o dono da sombra? Ah, larga de bobeira e bebe desse copo, vai, bebe, um pouco, você vai gostar. E por que eu gostaria mais desse copo de plástico sempre pela metade quando eu posso ter um sempre inteiro? Isso está diretamente relacionado à minha felicidade, minha alegria vem desses prazeres que a maioria das pessoas prefere classificar como obrigação. Igreja? Ora, já se viu, mas que tédio, cheio de pessoas falsas, cansativas e as músicas? Tudo me cansa. Me enjoa. O que te faz mal sustenta a minha juventude, mantém meu caráter e minhas manias.

Marcella Casari


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Não que isso seja verdade

Eu tive mesmo que esconder muito bem minhas curvas dentro da minha roupa, pra que os olhos dele se fixassem nos meus e não na minha blusa decotada. Não por falta de insegurança da minha parte e nem porque eu não queria, mas eu aprendi que assim que os olhos dele se fixassem mais no que ele imaginava, menos eu pessoa poderia ter da sua atenção. Não que eu desmereça seus olhos ou suas mãos, pelo contrário, mas eu sabia que se não assumisse o controle da situação naquele momento eu o perderia de vez pra minha beleza e quando ela fosse (e ela vai) embora ele iria junto, com certeza atrás de outra. Isso porque a beleza dele tem cara de que grudou nele, essa beleza de quando se ama, que nem todo mundo gosta.
Agora eu assumo os riscos. Homens também são inseguros. O que seria de um homem pra outro homem se ele não tivesse estampado na cara todas as suas aventuras com mulheres que muitas vezes nem foram realmente suas. Mulheres são dissimuladas. Isso eu aprendi. Não somente por ser mulher, o que realmente facilita muito, mas já me desviei de inúmeras situação abusando dessa habilidade, mulher pensa com a cabeça e o coração, ao mesmo tempo, sem dividir as emoções, sem perder a razão nem o amor. Já os homens, quando são racionais perdem a emoção e vice-versa. Não que eu não confiei num homem dissimulado, mas isso não combina bem o jeito valentão que eles tem que aparentar pros outro. Eu digo outros. E não outras.

Marcella Casari

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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Uma carta

Não quero uma carta convencional. Recheada de características que a transforma numa carta. Não porei data, nem de onde eu mando, porque são coisas tão óbvias que apenas ocupariam espaço. Mas já estou com saudades. É engraçado, não faz nem vinte e quatro horas que vocês estão fora de casa, mas já parece uma eternidade, a casa fica tão vazia e tudo perde o sentido. É mais relaxante quando sei que daqui algumas horas após o trabalho vocês estarão de volta, mas não é bem assim hoje e nem amanhã. Não sei bem qual a razão desta carta, vai ver nem tem mesmo muita razão, ou o sentido próprio dela seja apenas uma demonstração de afeto, de amor, de carinho, que com certeza só nesse papel não seria todo mostrado. Mas eu sei que ai o lugar que estão (estavam), é (foi) especial da maneira mais incrível possível, e isso faz bem pra gente. Bom só não faz bem pra mim que estou aqui em casa, digitando no computador e ouvindo uma música linda, que me faz pensar em como e quanto eu amo vocês. Mas fizemos tudo certinho, estamos nos comportando. Mãe, eu to aqui chupando o resto de sorvete de flocos, tudo bem? Bom já já ele vai acabar, e Val seu pai ligou hoje viu, mas não disse o que era, ficou de ligar pra Dé! (hehehe)
Bom, uma coisa eu sei, passar dois dias sem vocês é um sufoco, mas o que mais sufoca é a falta de comunicação, quando vocês viajam é uma coisa, mas mesmo estando tão perto, estão longe, ah sim, longe mesmo e na verdade eu não sei se não podem usar o celular, eu não tentei, e nem tentarei (tentaria), são dias tão particulares e especiais que é melhor assim.
Já disse que os amos, e que sinto saudades? Já, então ótimo!
Minha carta não está tão grande, nem tão bonita e nem sei ao certo o que deveria conter aqui, mas enfim, o que vale é a intenção, e acreditem foi a melhor possível. Não é por economia ter escrito uma carta para os dois, é que eu quis mesmo, desde o momento em que a Dé nos ligou e nos pediu para escrevermos uma cartinha. Bom, cartinha mesmo, mas é isso e mais um pouco.
Amo vocês, Beijos

Marcella Casari

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Amor de partida

Não, não desaparece não. Não diz que vai embora e realmente vai. Eu deixei escancarada a porta do meu coração pra ver se você trazia logo as suas manias e desejos pra dentro de mim, mas o que você fez foi fechar a cara e a porta da minha sala. Eu não estava pronta pra dizer adeus, e quando você disse que ia sumir pra que eu nunca mais te visse, ah, eu tive vontade de pular no seu pescoço, talvez assim você percebesse que eu estava mentindo. Que não, na verdade eu não gosto muito dos seus braços, eles tem duas temperaturas, um lado mais quente, mais você, e perto das suas mãos, é frio e eu sempre me sinto mais desprotegida assim, quando você não me abraça por inteiro. E outra, eu não gosto dos seus olhos, eles sempre estão atrás dos seus óculos e eu nunca consigo enxergá-los bem, é um egoísmo da sua parte fazer isso comigo, e eu nunca gostei muito do seu rosto lisinho, era bom quando você deixava uns pelos perdidos pela face pra encaixarem na minha boca, quando eu te beijava e você pedia pra eu não parar mais. Eu nunca gostei do seu sorriso, nunca, só quando eles eram meus, quando você os dava pra mim em troca de alguma declaração patética que no fim sempre nos fazia rir, e você deve estar pensando que eu gostava dos seus carinhos, mentira, a sua mão na minha pele me fazia sentir calafrios, os pelos me pediam licença pra se enrijecerem e eu nem boba nem nada, deixava, e desde quando esses sentimentos fazem bem a um ser humano saudável? Totalmente provido de bom senso e vergonha na cara. Quando você fechou a porta, fecharam-se meus poros, minha boca, minhas mãos, meus pés. Eu pedi pra você não ir embora, não me deixar trancada, você não imagina o quanto é difícil.

Marcella Casari

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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Verão

A maneira como ela ainda mantinha as lacunas dos olhos abertas fez com que lágrimas brotassem ali e refrescassem a pele áspera de Sofia. De braços postos sobre a mesa, a cabeça recostada sobre as mãos frias traduziam com letras firmes o sentimento de dor que ela expunha pra fora da alma. Não tinha nem se quer um lenço de papel, simplesmente um copo vazio com o suor do líquido que o continha. A solidão combinava a salinidade das lágrimas com a madeira da mesa da cozinha. Seu desejo era expelir a dor e colocar no lugar um sorriso descartável pra mais tarde, quando quem sabe, Carlos mudasse de ideia e voltasse atrás.
Limpou a face com as costas das mão direita, suspirou fundo, ajeitou a roupa, o vestido florido que esquentava a pele, passou as mãos úmidas pelo cabelo e o prendeu com a presilha amarela, presa na barra do vestido, que incomodava o joelho.
Sofia tomou o banho mais demorado da semana, talvez do mês, colocou a melhor roupa da última compra que vez numa liquidação do shopping, derramou sobre a pele do pescoço e pulsos os restos do perfume francês que ganhara de natal de seu pai. Sentiu-se bela e sensual o suficiente para abalar as estruturas físicas e emocionais do único homem que punha pra fora a sinceridade de forma branda e cuidadosa, Carlos com certeza perdeu o juízo quando disse não mais amá-la.

Marcella Casari

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ps: te amo (o mau humor passou)

E a verdade é que afinal das contas, eu não tinha nada a perder apostando em você. É mesmo. Você com esse jeito simples de levantar os óculos com as pontas dos dedos não podia fazer muito por mim mesmo, não que eu quisesse muito, mas me faz falta a sua presença do meu lado, quando eu tô em casa estudando, estudando, estudando, e não tem ninguém pra me fazer carinho me pedindo pra parar um pouco e nem pra me preparar alguma coisa pra comer. Acho que quando meti os olhos em você eu não tinha ideia do quanto isso ia me fazer bem, eu não considerava muito que daquele mato podia sair coelho. Mas se é você que me faz acordar de manhã cedo e enfrentar a vida, como eu poderia continuar duvidando que suas mãos grandes, seus braços quentes poderiam ser pouco perto da minha estatura? Eu não estava é pronta pra tanto amor, isso sim. Eu queria mais é que você me dispensasse e me trocasse por essa que passa todas as noites com você, ah, mas eu sinto uma inveja dela, mas não fica com ela não, eu já acredito em super-herói.

"Me deixa morrer de saudade, vai, só não me deixa.."

Marcella Casari


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domingo, 29 de novembro de 2009

Não, eu tô falando sério..

cansei de escrever, ou de escrever e postar aqui, esperem meu mau humor passar, se ele passar..







Fiquem com Deus
Beijos Marcella Casari

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A janela aberta

Então você reconhece que deixar a janela aberta é perigoso, não é? Com essa frase mal articulada Carlos iniciou sua conversa com Antônia, e por alguns segundos os dois ficaram em silêncio. Não sei, Carlos, eu sinto muito calor a noite, muito calor, e com a porta fechada eu já não sinto o ar circulando, não encontro posição para dormir, fico me remexendo e fico toda suada. Disse Antônia, prendendo o cabelo e olhando para o chão. Carlos curvou-se e ergueu sua cabeça, dizendo ao olhar nos olhos dela. Não seja boba, Antônia, é muito mais perigoso entrar um ladrão, do que eu me preocupar com o seu suor, ou com a cama mais ocupada com o espaço do seu corpo nela, eu tenho medo de acordar no meio da noite e tudo lá fora me lembrar onde eu estou.
Ora, Carlos, eu não tenho culpa se essa noite você quer passar aqui, o problema é que meus pais podem acordar, e por isso a janela aberta, assim você foge. Retrucou ela, ajeitando a roupa e deitando-se na cama. Mas eu estou aqui por sua causa. Tudo bem, a janela fica aberta, a porta fica trancada. Você prefere que eu deixe a luz apagada, Antônia? Carlos falou em voz mais baixa. Venha logo que ainda tem espaço pra você aqui, finalizou Antônia.

Marcella Casari

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terça-feira, 24 de novembro de 2009

E-mail

Eu fico muito estressada mesmo quando você demora muito pra responder meu e-mail, fica passando ideias alucinógenas na minha cabeça e nunca sai coisa boa dos meus sonhos. Eu fico aqui matutando que ou você está tendo realmente uma semana super ocupada (então me perdoe por tudo isso) ou você é um tremendo safado, SEM VERGONHA que me faz de besta, é sim, você vai lá me manda aquele big e-mail numa quinta-feira (depois de três dias sem notícias suas) e quando eu bela e formosa te dou uma resposta (à altura) você demora mais quase uma semana pra me deixar plantada na frente da tela do computador esperando uma resposta que não tem mais a mínima cara de que vai aparecer. Você é um egoísta safado que vem falar comigo quando e se quiser e quando eu quero uma resposta sua, ou um sorrisinho de canto de boca você simplesmente me ignora e faz da minha vontade um lixo completamente descartável, “que se exploda seus anseios sua adolescente boba”. E eu fico espantada como eu pude raras vezes aceitar suas teorias e dizer arrãn tantas vezes seguidas. É que na verdade eu concordava mesmo. Mas a minha caixa de e-mail continua "vazia".
Às vezes eu tenho vontade de te jogar na parede, não pra te encher de beijinhos, mas pra te dar boas bofetadas. Você ri das suas próprias brincadeirinhas e eu sou obrigada a saber que não era pra acreditar, como se mulheres já não fossem sentimentais o suficiente pra ter que além de tudo sofrer por mentirinhas. Como se nós mulheres já não confiássemos o bastante, pra você vir e fazer piada desse meu amor extremo que chega a ser ridículo. Porque o amor é ridículo e eu mais ainda. E eu fico bastante estressada porque se você me ligar no meio da semana pedindo para conversarmos eu terei que entender (porque além de tudo eu sou muito curiosa) e deixar você vir na minha casa pra ficar te olhando e ouvir o que você tem pra dizer e quando eu estiver a fim de conversar com você, você vai vir com aquele papinho de que a gente não pode se falar, de que isso ta errado e tudo mais. Não sei se eu fico mais estressada por tudo isso ou quando você vem com cara de pena achando que eu to morrendo por sua causa, jogando na minha cara que NÃO, você não está morrendo por minha causa, ou até está, eu nunca sei quando você tá falando sério ou quando é pegadinha do malandro.

Marcella Casari

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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Nem segunda, nem feira

As pessoas tentam me convencer que girassóis não são tão bonitos e que minhas unhas pintadas de vermelho combinam mais com o meu tom de pele. Eu deixo elas acreditarem que eu troquei o verde pelo amarelo e que me dou bem com física e matemática. Hoje eu descobri que preciso cortar as folhas e flores "mortas" da planta pra que ela continue florindo e que se eu não pensar em você eu provavelmente mate um pouco de mim a cada segundo. Eu reparei que semana passada o por-do-sol teve cores diferentes a cada dia, segunda foi alaranjado, terça foi roxo, quarta cor-de-rosa e os outros dias eu não me lembro, mas provavelmente um dia da semana tenha sido como hoje, só o azul. Hoje de manhã eu percebi que seu perfume vinha até mim e que ando com dores de cabeça nas aulas de história e química. Algumas vezes a minha mãe insiste pra que largue mão de ser tonta e eu acabo lendo umas páginas desse livro que estou lendo pra ver se enxugo algumas lágrimas internas que molham minha alma e machucam um pouco. Coloquei meus girassóis artificiais num vaso de mentira ao lado do meu computador, precisa ver o quanto eles combinam com a decoração do quarto e com a roupa da minha cama. Voltei a usar uma pulseira prateada com uma plaquinha, dessas que dá pra por o nome, mas eu nunca escrevi nada, ela combina bem com o meu anel (...)

"Sutilezas não se guardam no armário.."

Marcella Casari

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domingo, 22 de novembro de 2009

Argumento

Vai que de repente você surge à minha frente? Com aquela sua cara amarrada de culpa e ver se eu estou disposta a secar meus ouvidos pra ouvir as lambanças das tuas desculpas? Preciso então me prevenir, vestir uma roupa mais decente, pentear os cabelos, calçar os pés e estampar na cara um adesivo de sorriso automático, pra rir das suas piadas infames e acreditar nas suas histórias de pescador. É oficial esse costume de ilusão, de pegar o ponto fraco alheio e lhe jogar nas fuças. E você sabe muito bem cutucar minhas feridas e desvendar os meus erros, depois que eles já estavam muito bem enterrados. Mas mesmo assim esse seu desmazelo só descontados na sua face (e mãos) deixa bem claro suas intenções ao se aproximar de mim, com suas mãos úmidas de suor e seus olhos brilhantes de lágrimas, eu disfarço e digo que sim com a cabeça. É mais fácil do você imaginava. Ainda não sei como desfazer esse seu rosto formulado, essas suas mãos bem cuidadas, esse seu corpo bem preparado diante dos meus olhos. Ah, eu digo que concordo e você desfaz as malas e dorme na minha cama. Eu aceito suas desculpas esfarrapadas dos seus erros mal ditos e fica tudo bem no café da manhã, quando o sol dilata nossos olhos e nossa alma fica pequena demais pra tanto amor, tanto amor, tanta amor.
Sou cruelmente dissimulada e você cruelmente sarcástico. Nos damos bem afinal de contas.

Marcella Casari

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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Mãos

Por que a gente precisa pegar na mão? Por que a gente precisa unir as digitais umas nas outras, mesclar o suor de entre os dedos e sentir um forte aperto? Qual o motivo real de trocar afeto apertando os dedos do outro, massagear os ligamentos e estralar os dedos até o outro gemer. Se é que existe mesmo razão em as palmas das mãos descansarem em outras palmas e notar que o seu formato de "m" na mão esquerda é bem parecido com o "m" da mão do outro.
É que na verdade isso tudo não passa de uma sintonia totalmente humana, pra buscar apoio quando nossas mãos parecem calejadas e cansadas o suficiente por agora.
Sentir a transpiração alheia da própria satisfação.

Marcella Casari

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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Ninguém disse que seria fácil

Pensa que é fácil? Segurar-me dentro de mim mesma, nos meus próprios limites, até onde o meu corpo diz ser meu? Pensa que é fácil anestesiar-me de seus insultos, seu corpo, sua luz? Pensa ser fácil desviar-me de onde alcança seu sorriso? De até onde penetra a sua voz? De onde alcança seu par de olhos! Pensa ser fácil me livrar deles? Eu caminhava sublime com um batalhão dentro de mim, eu caminhava e sentia o frio subir pelos meus pés até a minha nuca, eu caminhava ora de olhos fechados, ora de olhos aberto, eu sonhava, imaginava, sentia, eu caminhava mesmo estando parada, sentada, deitada, ajoelhada, eu caminhava dentro do meu quarto, na minha mente, do seu lado. Sou severamente restrita aos teus atos, confunde-me quando me nega e logo depois sussurra meu nome ao vento, deixando meus ouvidos atônitos, agoniados, desejando um pedaço maior dessa sua voz. Está longe que me meus olhos nem podem ver, está longe que meus ouvidos ensurdecem, está longe que a minha mão não toca, que meu coração reduz em miúdos, minha mente que se dilacera em mil, minh’alma se dilatada, aumenta, diminui, acaba.
Pensa que é fácil ser fraca presa num corpo de forte? Pensa ser fácil chorar quando meu semblante te sorri? Pensa demais, demais se perde em suas inúteis preocupações e devaneios. Pensa ser fácil ser uma mulher em suas aventuras de menina que escolheu não seguir mais as suas vontades? De onde acha que vem meu sorriso? Vem de cima, do céu, do alto, onde a minha voz mais baixa é escutada como música, onde você também diz, e sabe-se lá o que diz. Mas pensa ser fácil. Desconheço completamente os seus pensamentos, tornou-se uma dúvida completamente insaciável já que não posso mais como antes, perdi o direito de penetrar no teu “íntimo” pra te conhecer, é exatamente uma fórmula incalculável, inédita e deliciosa que conforta minha mente e agoniza meu coração. Acha mesmo que é fácil ridicularizar meu coração? Pô-lo de lado, como um lixo, pra ouvir a voz daquele me conforta, pensa ser tão fácil assim?
Tenho medo de me achar pequena, minha alma te incomoda? Meus medos e dúvidas, confusões são poucas perto de você? Sou criança, mimada, imatura e frágil? Procuro no mesmo Deus que “se escondes” a solução fraternal de todo esse sentimentalismo, não barato, o preço não é baixo, a dívida é alta e meu prêmio de consolação não está comigo. Pensa ser fácil aceitar o que nem ao menos sei direito? Eu apenas aceito por ser certo, eu apenas não admito errar, não me permitiria trocá-lo por ninguém mais, ninguém menos. Sou uma alma pequena e frágil sim, que busca forças pra lutar, pra suportar. Quero por todo os meus desejos num saco plástico e sumir, quero que eles não me incomodem mais, vai ver assim me achará mais linda. Quero estar mais linda diante dos seus olhos, pra que me veja grande e merecedora de amor. Que me veja desejável e merecedora de amor. Merecedora de amor e não de pena, de amor e não de dó, de amor e não de nada. Pensa ser fácil ter tanto a dizer e ter que permanecer calada? Sinto-me inconveniente com todas essas palavras ridículas, talvez depois elas sejam vomitadas de meu pensamento, mas assim que seus olhos colidirem com elas, alguma coisa de boa ou ruim passará por essa sua cabeça e eu já não serei mais a mesma, e que diferença isso faria? Ao certo sabe como sou? Meu gosto, meu desgosto? Não. Ainda não. Não acho nada disso muito fácil e nem muito menos impossível. “TUDO POSSO NAQUELE QUE ME FORTALECE”.

Marcella Casari

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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Relacionamento

O detalhe é que ele deixou a tampa da privada levantada e eu nem dei bronca. Se fossem dias lá pra Agosto, eu com certeza teria dado uma boa bronca, com direito a tapinhas histéricos no ombro, pra depois ele fechar a cara, abaixar a tampa e me dar um beijo no canto da boca como forma de me convencer que ele sabe que estou certa, e nessa época eu precisava estar. Eu nem liguei pra toalha molhada em cima da cama e muito menos pra camiseta amassada em cima da cadeira do computador. Eu sempre admirei esse desmazelo que ele tem com as coisas pessoais e com a implicância dele com as minhas manias de limpeza e organização, eu sou fanática pelo cheirinho da nossa casa arrumada, da cama com o lençol trocado e da torneira da pia da cozinha bem fechada. Ele ainda reclama um pouco quando eu digo que preciso varrer o teto, ou quando dou meus berros homéricos quando um rato invade meu espaço, eu morro de medo e ele ainda não quis entender isso. Mas eu respeito (e amo) o fato dele deixar o copo sujo de suco dentro da pia limpinha e andar pela casa sem camiseta (eu prefiro mais assim), o cheiro de gente que ele deixa na minha roupa,o meu cabelo bagunçado atrás da orelha, ou quando ele me senta no chão pra estralar os meus dedos do pé, até eu suplicar pra que ele pare, mas ele não para e me beija.

Ficar sentada ali no chão com ele, foi a cena mais hilária e divertida que já me aconteceu, parecia coisa de cinema, uma dessas cenas em que está tudo indo maravilhosamente lindo entre o casal principal do filme, e que no fundo toca aquelas músicas "romântico-engraçadas", que faz a mulher (que está deitada na cama assistindo ao filme) dar uma colherada gigante no pote de sorvete pensando o quanto era bom quando seu namorado fazia coisas parecidas com ela, e como ela se sente gorda e feia por estar solteira enquanto todas as amigas estão com seus respectivos maridos e filhos curtindo o sábado a noite (ou a quarta-feira a noite).
E eu fico me perguntando o porque os homens são tão confusos, eles sempre vem com suas teses (mal elaboradas) dizendo que as mulheres que são complicadas, isso é mentira, bom, em alguns aspectos pode até ser, porque homem é tudo igual, sempre a mesma coisa, feitos exatamente idênticos ao estilo "Tempos Modernos", alguns fogem desse modelo pré-programado, mas salva-se raras execessões. E o mais estranho é ficarmos reclamando deles e eles de nós, se cada um não vive sem o outro, é praticamente cuspir no prato em que comeu (melhor dizendo, no prato que come). A questão é ver que mesmo que "cada um no seu quadrado", eu sei que melhor que sentada ali no chão e ele estralando os dedos dos meus pés, é só o fato de ser ele, só ele e ninguém mais. E depois um beijo, ou dois.

Marcella Casari


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terça-feira, 10 de novembro de 2009

Somente segunda-feira

Os espinhos da tua pele sobre a minha surtiam efeito dominó sobre as faces úmidas dos meus lábios, seus pelos se encurvavam pra encaixarem na minha boca, pedindo encarecidamente pra que minha boca te beijasse mais. Eu já não sabia mais se descolava a minha boca da sua buchecha ou se permanecia ali, com o pescoço encurvado, com os olhos fechados ouvindo aqueles estralinhos engraçados que depois de um tempo me faziam rir, e olhar pras esses seus olhos castanhos que se confundem com os meus, quando me observam e me deixa sem palavras na ponta da lingua. Eu não sabia mais se envolvia meus braços nos seus, ou se deitava na sua perna direita, deixando suas mãos deslizarem pelas minhas costas, fazendo trilha no meu corpo com as pontas dos dedos, eu não sabia se ficava em pé ou sentada do seu lado, até você dizer que me odeia muito e que se eu fosse embora não ia fazer a mínima diferença. E provavelmente já não fizesse mesmo tanta diferença, já que eu posso guardar teu cheiro dentro da minha cabeça, a sensação áspera que seu rosto fazia na minha boca, ou na palma da minha mão, ou a marca dos seus dentes no meu braço direito. Talvez isso pareça apenas mais uma declaração excessivamente apaixonada de uma louca, mas peço que não me encare tão mal, eu sei me apaixonar pra sempre .

Marcella Casari

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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Sophia

A primeira recomendação que Sophia teve foi de não dar bola pro primeiro rapaz bonito que cruzasse a rua, e selasse em seus olhos uma conecção magnética. Suas amigas já a haviam precavido que rapazes furtivos assim são um perigo, que se bobeasse estaria nos braços dele e ele em pensamentos sabe-se lá exatamente onde. Mas mesmo assim não deu muito ouvidos pro que diziam suas “best” atravessou a rua e viu um rapaz com essas mesmas descrições, acrescentando apenas uns detalhes que ela não teve tempo de ver muito bem. É de propósito sim, é só levar uma advertência que isso torna a experiência proibida mais gostosa, é falar e acontecer. Sophia nem temeu quando seu coração palpitou mais rápido e nem quando seus olhos se ligaram aos dele por uma atração que nem mesmo a física sabe explicar. Não passou muito tempo pra que ela encontrasse esse rapaz novamente, metade dos castanhos dos olhos dela ficaram grudados nos olhos dele. Seu nome é Carlos, estava escrito no crachá, sua camisa era azul claro e os botões brancos, calça jeans e tênis, o básico, ao menos não advertido pelas amigas, nem se preocupou quando reparou nesses detalhes. Mãos grandes, sorriso sufocante (sim, pra ela era), o cabelo formava com o rosto um desenho gostoso de imaginar, e os pelos do braço direito dele iam pro mesmo lado, uma ordem significativa e apenas um pelo de cor mais preta, indo perto do cotovelo, do lado de dentro do braço, os cílios encostavam-se às lentes dos óculos, a pele clara de quem fica a maior parte do tempo preso dentro de uma sala, o andar meio concentrado, ereto, firme e até engraçado. (...)

Marcella Casari

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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Dezoito anos com carinha de quinze

Não me pergunte como é ter dezoito anos. Eu ainda não precisei desembolsar meu RG da carteira e apresentá-lo a alguém que duvidasse disso. Continuo com meus um metro e cinquenta e tantos centímetros, a mesma cor de cabelo (só que agora mais liso), a mesma frescura pra andar de salto, a mesma falta de apetite pra bebidas alcoólicas, a mesma aversão a cigarro, os mesmo óculos, o mesmo gosto (paixão) por verde, o mesmo sorriso e os mesmos costumes de sempre.
Só imagine a diferença de acordar com a aquela “buzinação” e questionamentos de como é ser maior de idade. Tem o mesmo gosto de quando fiz quinze anos, e realmente em números não faz tanto tempo, mas na cabeça das pessoas parece que foi a uma eternidade. Tem a mesma sensação só que com uma carga a mais de responsabilidade. A (as) faculdade (faculdades) do ano que vem e como diria um amigo meu agora “você pode fazer... quer dizer, dirigir”. E essa piadinha interna dá um gostinho mais refrescante, “não me leve a mal Pedro”.
Mas todo o dia vinte e seis foi repleto de sensações novas, como se o meu aniversário fosse alguma data importante que todos tivesse que lembrar. Mas ao mesmo tempo parecia que as pessoas que me viam caminhando na rua sabiam que aquela não era uma simples segunda-feira de muito calor. As mulheres e homens me olhavam com cara de quem notou alguma diferença, mas eu entrei no supermercado me olhei no espelho antes de comer um pedaço de bolo e vi a mesma pessoa de ontem, só que com outra roupa. As pessoas viam em mim o que eu não sentia. E ainda não sinto, apesar de que já mudei meu ano de nascimento no orkut, ta lá 1991, pode conferir, agora eu não preciso mais mentir.

Marcella Casari

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Mau Humor. (Parte II)

Eita!!!! Ela foi mesmo. Toda emburrada. hahahahahahahahahaaaa........ Essa sem vergonha ainda ver o que é bom pra tosse dela. Vê se pode vim me chamar de safado. Faz infeliz, burro, grosso. Na cara do gol e ainda erra?!!! Vai chutar a sua mãe!!!!!!! Pega outra cerveja pra mim, e anda logo!!!. Ah é, caramba ela saiu. Nem pra estar aqui pra pegar um cerveja presta. Olha só, poxa vida viu. Nem pra lavar a louça da janta presta. Acho que até bicho preguiça trabalha mais do que ela. Saco! Começou o segundo tempo? Ufa, ainda não. Começa logo TV idiota, que demora!!! É, apesar que ela... Ela nada. Se segura na tua ai meu. Qual é vai deixar ela montar cavalo em você agora? Você já fez a burrada de dizer sim no altar. Vai ficar se lamentando agora? Aleluia!!! Começou o segundo tempo. Cadê essa infeliz que não chega? Gol! Gol!!!! Gooooooooooooooolllllllllllllllllllllllllllllllll!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! UUUHhhhhhhuuuuuuuu!!!!!! Olha. Chegou. Não podia ter chegado em melhor hora. Vem aqui. Veja que lance lindo. show de bola. Só podia se brasileiro!!!! Senta aqui. Quero você. Anda, senta logo caramba. Parece uma mula empacada. Acho que você está precisando tomar umas vitaminas, porque anda lerda de mais, pelo amor!! Que bom, pras suas amiguinhas você usa o perfume que dei de aniversário né?! Agora pra mim, mal passa desodorante. Que foi? Está achando ruim eu falar a verdade? Pensando bem, fica aí. Eu vou dormir. Boa noite! Ah, fica assim não. Estou de mal humor hoje.

Fernando Augusto Marcelino

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Meu Bobo

Talvez se eu não relevasse seus atrasos quando eu perco a cabeça de saudade, eu ainda mentisse. Eu te amei da primeira voz que saiu da sua boca e da primeira vez que seus olhos colidiram com os meus, eu vou logo avisando que aquilo tudo era pra ser. Eu te amei quando quis te ver e não pude, quando pude e não quis. Eu te amo quando as poucas pessoas ao nosso redor sabem disso e quando as minhas palavras se escondem dentro da boca pra não sentirem a saudade das suas. Eu te amo quando o despertador toca e a música que toca me lembra você, e até quando me esqueço de acordar. Eu te amo quando diz que sou chata, porque eu sou mesmo e você acaba fechando os olhos pra isso. Eu admiro você. Eu amo o seu sorriso, e as entradas pra sua boca, amo os cartões de visitas que são as suas mãos quietas quando fala comigo. Eu amo a sua respiração, o seu suor, o seu esforço. Eu amo as perguntas sem resposta, as caminhadas das suas pernas, sua força de vontade. Eu amo os cantos das suas unhas, os seus dedos, seus braços erguidos, você de pé, sentado. Eu te amo quando se esconde de mim. Eu amo quando tenta disfarçar e me engana muito bem, quando suas palavras tentam ser mais severas do que as minhas. Eu te amo quando eu te machuco e ainda assim me reserva tempo. Eu te admiro. Eu te amo quando seus sonhos são bizarros e amo ainda a sua coragem pra realizá-los. Eu amo a sua determinação. Eu te amo quando sinto sua falta e vejo a sua foto no meu celular, ah sim, eu te amo quando não vejo. Eu amo a sua dedicatória no meu livro, amos os "textos assassinos". Eu te amo quando diz que não me ama. Provavelmente eu te amaria do mesmo jeito. Eu te amo quando estou disposta a passar o resto da minha vida do seu lado e amo ainda mais quando sei que não será sempre tudo bem. Eu te amo quando penso que terá dias em que eu serei a última das mulheres pra você, e você vai gritar, e você vai me odiar, não vai mais me desejar e ainda assim depois de um tempo o mesmo amor do final de semana vai estar estampado na minha cara e o seu sorriso surgirá pra me pegar no colo. Eu te amo quando as pessoas olham estranho, suspeitando. Eu amo quando usa aquela camiseta preta e olha pra mim quando não pode. Eu amo seus elogios. Eu te amo independente do amor. Eu te amo quando considerar errado amar. Eu te amo quando for proibido, quando me deixarem, quando você quiser e principalmente quando não quiser e precisar. Quem sabe você precise do meu amor tanto quanto eu preciso te amar.

Marcella Casari

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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Confissão

Muitas vezes eu me sinto totalmente perdida. Mas solidão não chega a me assolar, deixando-me sem esperança, sem uma luz no fim do tunel. Muitas vezes eu caminho degavar, pra ver se analiso bem os passos que deixo pra trás, pra não me arrepender de nenhuma curva. Eu só sei que muitas vezes esse meu silêncio me priva de muitas vezes descarregar por ai, grande parte de uma carga que eu não precisaria necessariamente carregar. Tem tanta coisa minha que eu preferia que nem fosse. Mas, provavelmente, não, com absoluta certeza, graças a Deus, eu aprendi a ver o quão desimportantes eram as curvas do meu caminho, percebi que mesmo se estivesse sozinha, no escuro, eu saberia reconhecer quantos passos seria necessário pra passar por qualquer caminho, mesmo se o chão me parecesse um pouco áspero e me reservasse, quem sabe, um belo tombo pela frente. Ainda assim, já sei que cair, pra me levantar depois é mais que necessário, pra que eu aprenda que, não é tudo, sempre, um mar de rosas.
Mesmo assim, eu ando com medo, com as mãos dentro dos bolsos traseiros da minha calça jeans, e me esqueço que se tira-las daquele aperto e erguê-las aos céus, esse medo se esquiva de mim e a verdaderia luz abre caminho pros meus passos; mesmo que andasse descalço, numa rua escura, deserta, ainda assim não estaria sozinha. Não confio apenas no que meus olhos dizem pra mim, e isso me fez toda a diferença. Eu fiz dos meus pensamentos, pontes. Dos meus sonhos, vontade. Sou muito nova, pra ter o que reclamar, muitas vezes me disse "Mas Marcella, será que não percebe o quanto isso é pouco? Se enxerga? E o que Jesus fez/faz por você? Isso não é mais importante?", e no meio dessa divagação, eu calço os meus sapatos, tiro as mãos dos bolsos e ergo-as aos céus, e enquanto liberto minhas palavras, as lágrimas salgadas chegam doces à minha boca, como sinal de realização; porque por mais que eu esteja ali, há sempre comigo mãos prontas a me levantar, quando eu desço ao chão reclamando um tanto, eu sempre sinto que vou caminhar mais outro tanto.

Marcella Casari


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Frase de saudade

Eu acredito apenas nas minhas frases emaranhadas no seu peito, camufladas nos seus cabelos, escondidas sobre a sua roupa. Você deixa em mim aquele gosto doce de suco de laranja com o bolo do café da manhã, ah, eu peço sempre a Deus pra me deixar daquele jeito, pronta pra ser a razão do seu sorriso. Eu acabo querendo sempre converter as minhas palavras ásperas por outras mais lisas e que se encaixam melhor com as suas, não vou deixar seu dia ruim terminar pior .

Marcella Casari

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sábado, 17 de outubro de 2009

Mau Humor

Vai se catar. Vai ver se eu estou lá na esquina. Não enche vai. Que coisa, me esquece pelo menos por agora, por daqui uma hora ou até a noite. Vai cuidar do seu gato. Se você está bonita? Não brinca. Vai se olhar no espelho. Ou não tem espelho aqui em casa? Esse cabelo mal arrumado, penteado de qualquer jeito, parece um nino de pardal em que se fez uma festa have. Um lixo. Cadê seu gato? Não está aqui? Foi embora? Que pena! Não sei aonde estava com a cabeça quando arrumei você, pior ainda quando disse sim no altar. Quanta cagada que eu fiz, meu Deus!! Pelo menos você me interessa a noite. Para ocupar espaço na cama você ainda serve. Te quero só a noite e boa! O quê? Não está bom? Você não faz nada o dia todo mesmo. O empregada aqui faz tudo pra dondoquinha. Vai, vai se arrumar vai. Para de me encher. Safado? Eu? Olha quem fala, sem vergonha. Folgada, até parece calça de ex gordo, sobra pra todo lado. Não me interessa, se você estiver aqui só a noite já está de ótimo tamanho. Vai lá ver as tranqueiras das suas amigas, você já tem cabeça firme mesmo, quem sabe elas te levem pra algum caminho melhor, que no final seja a morte.
Não vira as costas pra mim. Se não eu te acento a mão na cara. Cadê o vestido novo que te comprei? Ele te faz tão bonitinha. É melhor que esses trapos sujos que está usando. Você não tem vergonha de ser tão mulambenta? Agora sai daqui. Quero assistir o jogo. Pelo menos isso me dá prazer.

Fernando Augusto Marcelino

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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O gato

Eu fico morrendo de vontade de tirar a coleira prateada do seu gato, você não percebe que o cara é macho e quer um pouco mais de liberdade pra te mostrar isso. Você não liga porque não é você que fica escutando o miado dele toda a madrugada, quando a luz do poste não me deixa mais dormir e o Filé (o gato) fica miando feito louco pra gata da vizinha que nem dá moral pra ele. E não é atôa. Coleira prateada com detalhes rosa não é pouca coisa. Eu fico morrendo de vontade de juntar aqueles dois gatos bem em cima da sua cama, só quando eu não estiver mais dormindo no seu quarto e nem sentindo o seu cheiro de manhã, pra que você veja que o Filé não é nenhum filhote e ele quer ser macho com a gata da vizinha. Eu tenho dó dele, você nem cuida, sou eu que sempre tenho que por ração e trocar a água dele, porque se depender do seu bom senso, beber água com uma camada grossa de gordura por cima é super normal, você acaba nem reparando que eu molhei todo o box do banheiro e que deixei a minha calcinha pendurada, aquela, vermelha que você detesta, você nem ouve mais meus roncos. Eu fico com pena da gata da vizinha que duvida do sexo do seu gato, ela pronta pra vê-lo, e o Filé com aquela coleira gay, que me dá aflição, ainda mais quando ele passa por entre as minhas pernas quando eu tô tentando dormir do seu lado, e ele tenta te empurrar de mim e você não acorda pra colocá-lo de volta no chão, sou eu que sempre faço isso e nem volto mais a dormir, você nem liga, porque seu eu tô na sua cama não foi pra dormir. E eu fico tentando imaginar o porque o Filé não te pediu um pouco mais de atenção, miar pra mim não vale, eu só tenho dó. E você dormindo de barriga pra baixo, nem escutando o miado do gato bem em cima das suas costas.

Marcella Casari


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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Frase de bom humor

Hoje, de bom humor, eu confesso que já me perdi nas linhas de expressão do seu rosto, no contorno que as suas bochechas fazem nos cantos da sua boca, quando você sorri aquele sorriso que pensa que me engana, porque na verdade você está choramingando por dentro. As curvas sinuosas que cobrem seu rosto, mostrando que o tempo passa, passa deslizando da sua testa para o queixo, dos ombros para as mãos, da cintura até as pontas dos dedos dos pés. As marcas de anos no canto do seu olho direito me impulsionam, eu pisco de volta e você se esconde no mais brando sorriso, ah, como me acalma as curvas que se formam quando fala comigo. E como é boa a sua cara de sono domingo de manhã, sua voz rouca, seus olhos cansados do sábado a noite.

Marcella Casari

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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sorriso

O pior de tudo foi perceber tarde demais que o meu sorriso era falso. Eu só sorria mesmo em fotos de família, quando aquele parente distante que nem sabe meu nome, diz “xiiiis”, esperando que num ato de reflexo eu bote na cara o sorriso mais escondido e chato que estava dentro de mim, causando impacto, porque no fim a foto fica um horror. Eu posso até rir em outras situações, mas cubro com a mão, escondo, não queira ver meus dentes pedindo licença pra aparecer. Só mesmo o rapaz, aquele rapaz que não deixa minha mão cobrir meu sorriso, e nem precisa me dizer “xis” pra que eu abra a boca e revele todos os meus dentes, a textura dos meus lábios, a cor da minha língua, a minha voz mais ambígua e indecente. Mas é só aquele rapaz, só ele. E o mais engraçado é que ele faz sem querer, ele sorri, e vem por baixo do pano, secretamente, convidar a minha boca pra rir também, ela toda oferecida, não desrespeita e sorri. Mesmo ali o sorriso é falso, não de mentira, porque pra ele eu não minto. Mas é falso. Ele diz que tem graça, que é lindo, mas não confie muito quando o amor da sua vida diz elogios demais, a maior parte ele só enxerga por estar apaixonado, depois a verdade aparece, ou não. Dou risada de nervosa, só do corpo dele estar a centímetros do meu, eu reparo nas mãos, na camiseta que ele está usando, no tênis, na calça, no zíper da calça, no cabelo, nos óculos, nas unhas, nos pelos da nuca, na barba ou na falta dela, no bico que ele faz quando fala, nos dentes quando ele sorri. Porque assim eu sorrio sem parar, pareço quadro, o rosto fica imóvel, e ele nem percebe, que perto dele, eu fico extasiada, nervosa, sou outra mulher, a dele, e ele nem sabe que me disse “xis” pra que eu não parasse mais de estar ali, sorrindo o meu sorriso amante.

Marcella Casari

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Bar da esquina

Vai ou não encher esse copo cara? Logo! Não tá me ouvindo não? Eu disse LOGO. Inferno. Aqui ninguém ouve nada. Não, não, tá bom já, para, não tá vendo que tá vazando, saco. Não, eu não vou parar de beber não, para, me deixa em paz, não ta percebendo que todo mundo quer que eu fique aqui, larga a minha mão muleque insuportável. Você é insuportável sabia? Você com esses dois diamantes lapidados no meio da cara, essa boca carnuda que dá vontade de beijar. Mas não se sinta o mais valorizado dos homens. Eu sinto muito mais o gosto dessa cerveja dentro do meu copo, do que você dentro do meu quarto. Você vale os berros que eu dou aqui e ninguém ouve. E para, me deixa aqui vai, ouve a música, tá tão bom, me dá seu colo vai, deixa eu deitar em você, mas não me leva daqui não. Ow garçon, eu quero mais, não percebeu que meu copo tá vazio? Cara, para de ser chato, não quero ir embora, não tá vendo? Han? Que eu to aqui pra te ver melhor? Pensa bem, eu tô aqui em baixo, deitada no seu colo, e você ainda fica reclamando da vida, pelo amor, você é um chato, um.. chato.
Me leva pra casa Carlos?

Marcella Casari

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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Jardim de inverno

Deixe-me envolver na grama molhada do seu jardim, até que minha roupa branca transforme de cor e meus cabelos secos tornem-se imundos. Eu prometo cuidar bem das suas flores, seus girassóis de plástico na varanda. Deixe-me procurar por aquela sua camiseta mal-passada, com o teu perfume, me deixa vesti-la no corpo, desfilar pela casa sendo você, quando não está comigo, estando com você. Eu juro cortar o mal pela raiz, limpar toda a sujeira que deixar pra trás, varrer bem a sala de visitas, arrumar a sua cama, dobrar e guardar o edredom dentro do guarda-roupa, deixe-me cuidar do seu jardim. Fique comigo quando eu pedir licença, venha correndo me abraçar quando, se por alguma acaso, eu proferir palavras rudes que rasguem seu coração, deixe-me curá-lo já, das dores que possivelmente eu possa te causar, deixe-me com a mão na tua mão pra atravessarmos a rua ou subirmos as escadas. Deixe-me regar seu girassol de plástico, deixa a água escorrer pelas pétalas. Deixe a cama desarrumada, o copo sujo dentro da pia, a cara amassada pra me desejar bom dia, a mão suada pra pegar na minha. Venha quando estiver de mal-humor, quando seu time perder o campeonato, quando sua rotina cansar, venha quando estiver tudo bem e mesmo se não estiver. Deixe um pouco do seu peso na beirada da cama. Deixe-me beijar tuas feridas, cuidar do teu ânimo, da sua tristeza, deixa-me secar as tuas lágrimas antes que elas caiam, venha quando não precisar de mim pra nada. Deixe-me envolver nos teus lençóis verdes os meus sorrisos misturados com os seus, deixa a minha boca convidar a tua pra rir também, teu ânimo no final do meu dia, deixa a despedida pra nunca mais acontecer.

Marcella Casari

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domingo, 4 de outubro de 2009

Frase

Isso é coisa de moça apaixonada, Erica. Disse minha mãe um dia, enquanto eu fechava a porta da sala segurando nos braços, bem apertado no meu peito, um presente pra ele. E nem era dia de nada. Era só porque era ele. E ninguém mais.

Marcella Casari

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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Em primeiro lugar me deixaram sozinho, perto de uma folha de papel e um lápis. Em segundo lugar, não deveriam ter feito isso, ou deveriam, sem isso eu não estaria escrevendo mais umas palavras pra que qualquer um lesse, e devem ler, deveriam. Se estou aqui trancado deixo escorrer essa sinceridade por entre as minhas mãos, o suor fedorento de homem, preso, sufocado, a solidão me deixa esse cheiro insuportável, as unhas sujas, o calor. Estou deixando a folha molhar, minha letra borrar, minhas palavras sumirem. Agora eu não ligo se está dia ou se está noite, daqui a pouco a luz dessa vela morre e fica tudo igual. Eu tô sem relógio, e daí, não sei ver as horas. Tô sem tênis, e daí, não tenho pra onde ir. Eu tô sem escova de dente, e daí, não tenho o que comer. Não se compadeça do meu sofrimento, não há sofrimento algum, ao menos enquando minhas mãos úmidas percorrerem essas linhas, e eu deixo bem claro, esqueci de deixar comida pro cachorro, tá ali dentro do armário da cozinha, bem no fundo. Falta-me ar, estou mergulhado em meu próprio rio, inundado, coberto de água, água que escorre no corpo, do meu corpo pro chão, o vento que vem da fresta da porta arrepia meus pêlos, um suspiro, um ar, uma pausa para descansar as mãos, a saudade, a melancolia jazendo comigo. Não deixem a janela fechada por muito tempo. Mas não precisam abrir a porta (...)

Marcella Casari

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Nunca duvide disso

Quando seu sorriso simplifica meu dia, será que você sabe o valor que ele tem? É assim que a vida recria mais um valor, contigo ao meu lado. E são poucos os instantes que compartilho sorrisos, e abraços, mas são estes os verdadeiros, nunca duvide disso. A verdade se baseia na intensidade com que ocorre um sentimento, não são os anos, mas os segundos que fazem a nossa amizade crescer, e sim, ela aumenta a cada dia, e nem todos os anos que estive com outros tem o mesmo valor que o pouco que já estivemos juntas, nunca duvide disso.
Você sabe o valor destas palavras, dentro do meu coração? Quero que esta importância seja a mesma pra ti, sim, eu preciso que saiba, que ninguém pode mudar o que o tempo está fazendo com a gente, com a nossa amizade, com você, minha amiga. E se lembra daquele dia especial? E houve tal dia especial? Não, pois são todos iguais, com o mesmo valor, e de mesma importância. Sim, nunca duvide disso. Pois nem que os dias passem mais rápidos, nem que as noites pareçam jamais acabar, muitos dias irão nascer, e eu serei o sol, que te quer bem, sempre.

Marcella Casari
(texto velho, perdido, e reencontrado, e que tava me matando de saudades)

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Sete e meia

Eu não esperava descartar os amores que passaram pelos meus dedos, eu não esperava que fossem assim, tão fugazes e sem gosto algum. Eu não esperava por alguém que me abrisse a porta do carro, que me elogiasse até pelo que não sou, que confiasse na minha falta de coragem, que pusesse os pés ao meu lado e me erguesse do chão, realmente, eu não esperava por um homem que me pusesse na cara vontades mais explícitas, de sonhos mais concretos, de abraços, de beijos, de jantares a luz de velas, de romantismos antigos, de lembranças numa caixa, de memória, de datas marcadas numa folha de papel, de presentes, de amores mais perenes, de amor mais perene, duradouro.

Marcella Casari

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sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Depois do último

É que na verdade a minha rua anda meio vazia. Sem o desgaste do seu sapato, as pedras chutadas pelo seus pé, nem os latidos do cachorro quando você tocava a campainha. Tô sem a sua chave abrindo a porta de casa, sem a sua camiseta preta pendurada no meu cabide, sem os lençóis, as colchas, o cafuné domingo de manhã. A minha casa anda meio vazia. Sem teu chinelo encostado na parede do banheiro, sua bermuda no cesto de lavar, a caixinha do seu óculos na beirada da cama. Sem teu perfume dentro do armário, sua escova de dente na gaveta do banheiro e seu sorrisão me desejando boa noite. Sem teu livro na cabeceira da cama, sua toalha pendurada no box, o espelho do corredor sem você no reflexo. Meu quarto anda meio vazio, sem as migalhas de pão na fronha limpinha, sua mão alisando o meu cobertor, sua jaqueta pendurada na porta do guarda-roupa, a foto da sua família do lado esquerdo, perto da janela. A minha cama anda meio vazia, meio gelada, a mancha de sorvete lavada, o cheiro de orquídeas do seu travesseiro na máquina de lavar, sem o seu tênis preto fazendo companhia pro meu tênis branco atrás da porta do quarto, a sua almofada no sofá de dois lugares, sem suas "revista inteligentes" na mesinha de centro. A minha vida anda meio vazia, sem os teus conselhos no meio da madrugada, suas mãos contornando a minha cabeça no seu peito quando eu tava errada. É que na verdade tudo o que tava cheio, tá muito cheio ainda, do vazio que você faz dentro de mim.

Marcella Casari

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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O último texto

Eu tô contando os segundos pra ver quais serão as últimas palavras que navegarão no meu pensamento. Se eu terei que me esforçar pra esvaziar minha mente, ou se minhas ideias fluirão livremente, daqui de dentro pra fora, nessas linhas retas, sem a mínima intenção da minha caligrafia. Estou aqui, para despedir-me das palavras. Não sei por quanto tempo deixarei de escrever, de esavizar-me pra que me leaim. Não sei. Eu. Realmente. Não sei. Mas nada melhor que despedir-me aqui mesmo, pra que saibam. Se quiserem mesmo conhecer a verdadeira Marcella essa está descrita nesses textinhos abaixo, apenas para curiosidade alheia e satisfação própria. Eu tenho saudades demais para que caiba toda aqui, nesse quadriculado. Não compartilharei mais, está aqui tudo o que podia.
Fiquem na paz do Senhor,

Abraços Marcella Casari

Diálogo

- Me diz adeus.
- Quê?
- Eu to pedindo pra você me dizer A D E U S!
(...)
- Eu não to terminando com você...
- Você ta me deixando, sozinha... Saco, e você nem liga. Semana que vem? Ta ai, logo, logo, e eu nem vou mais te ver...
Ahhh, eu não quero mais te ver.
- Quer sim.
- Odeio a sua prepotência. Odeio, odeio, odeio. Porque você sempre acha que tem razão, você ta sempre, sempre certo. Isso na sua cabeça. Eu odeio essa sua cabeça que só ri das coisas que eu falo. E você não vai ta perto de mim quando eu precisar ouvir que você tem razão, eu não vou ter você do meu lado quando eu estiver em dúvida, você não vai mais me dar bronca. Saco, eu não vou poder nem brigar com você quando você estiver certo...
- Eu posso ir embora agora, semana que vem, ano que vem, mas ei, olha pra mim, eu to do seu lado, e sabe por quê? Han? E você sabe por quê? Porque eu te amo Luísa, sua boba.

Marcella Casari

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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Um Dia

Um dia eu vou me comparar estar nos teus braços e alojada numa quitinete de frente pra avenida principal. Um dia eu trocarei de roupa e olharei pela janela as pessoas que nem vão dar pra minha presença minúscula. Um dia eu vou esfregar o pano no chão da sala e ali ainda terá o frasco do seu perfume quebrado. Um dia eu vou estar assistindo a tevê, e você vai chegar sem dizer nada, vai tirar a camisa, sentar-se-a ao meu lado e dormirá no meu ombro. Um dia eu vou estar escovando os dentes e você vai estar do meu lado, na frente do espelho e me fazer uma careta de bom dia. Um dia eu vou matar uma barata sozinha. Um dia eu vou te acordar no meio da noite pra você pegar o rato embaixo do sofá. Um dia eu trocarei os lençóis. Um dia você me fará cafuné e elogiará a minha sandália nova. Um dia eu vou te acordar. Um dia você vai me ver dormir. Um dia, ainda será de manhã, eu catarei a tua roupa suja e porei pra lavar, eu guardarei as tuas camisas passadas, eu farei teu café e te darei um beijo na boca. Um dia eu varrerei a sala, varrerei teus cabelos, teus cílios, tua sombra. Um dia caminharemos de mãos dadas, atravessaremos a rua, pararemos o trânsito e nem daremos bola. Um dia desligará a tevê, me levará pra cama, puxará os lençóis e me cobrirá. Um dia eu vou esquecer a chave de casa.

Um dia eu vou estar vestindo a roupa que estava amassada de dentro da gaveta, alisando-a no meu corpo, com as minhas mãos mesmo, enquanto você vai estar limpando a areia dos gatos pra gente poder sair e almoçar num restaurante caseiro na esquina da praça. Um dia você vai lamber a minha colher do sorvete. Um dia eu vou estar recolhendo a roupa do varal, e estará chovendo e você continuará deitado na cama, aproveitando os restos no nosso café da manhã. Um dia na praça um fotógrafo já velhinho vai querer tirar um foto nossa, ela vai estar na estante, ao lado da agenda telefônica. Um dia, quando você perder a hora pro trabalho, gritará comigo e eu estarei arrumando a cama, enquanto você escovará os dentes apressado, der-te-ei um beijo e me amará de novo, mesmo a culpa sendo sua. Um dia chegarei tarde em casa, trocarei de roupa e você estará deitado na cama, lendo um livro chato, só pra que eu ainda fique acordada, te vendo, o tempo todo que eu não te vi(...)



Marcella Casari

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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Nós bem fortes

Quero somente a tua voz cansada, dormindo sobre o meu ouvido. Somente a tua mão dura, pesada, posta sobre a minha mão, arrancando dela, suspiro atrás de suspiro, procurando acalmar minh'alma já posta de lado. E o ar que sair pelas tuas narinas, eu sugarei com a boca, pra dentro de mim, e desenhará aqui, dentro do meu organismo, o caminho mais próspero pra tua felicidade. Com a mesma boca cobrirei teus andares e subterrâneos, aproximando, e afastando os meus centímetros dos teus. Regozijaremos. Eternos enquanto durar, um pedaço teu jogado na minha parte inteira, montar-te-ei das beiradas até o meio, imaginação ou realidade. Fantasia. Quero somente o teu fardo leve, teus problemas pesados, tuas angústias amenas, teu ar, teu chão, tua pedra de tropeço, teu grito, tua dor, tua voz, tua alma, tua e minha.

Quero somente se não estiver por perto. Somente se estiver longe, cansado, fatigado, com ou sem saudades, com cem vontades, sem desejos, enquanto puder te imaginar. Se ainda teus olhos formigarem dentro dos meus, e se cruzarem, caminharem. De mãos atadas, dadas, entrelaçadas, suadas e cheias de você, de mim, de nós. Cobrirei tuas lacunas, e tirarei de dentro os ócios, os vícios e machucados. Curar-te-ei os sonhos, anseios, medos, pés calejados e ombros cansados. Quero somente se lembrar meu nome, se souber de mim o que não sabem, não veem, não conhecem, somente se me esquecer, se me deixar jogada pra fora, largada, esculachada, amargurada, sozinha. Sozinha de você, com você, sem você, só você. Caminharei os desertos das tuas mãos, as rugas que se formarem na tua face, a pele escorrendo pelo resto do corpo, o desmazelo, a falta de cuidado, o calor emanando do corpo, o cheiro, o ar. Tua saudade construindo mais buracos. Saudade só constrói buracos. E você só constrói saudades.

Marcella Casari

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terça-feira, 15 de setembro de 2009

Lâmpada

Luísa tinha acabado de ler a carta escrita a mão de Luis Fernandes, quando enxugou a última lágrima que poderia escorrer aquela semana. Dobrou-a cuidadosamente e colocou de volta na última gaveta do armário. Ali tinha muito mais do que papéis. O sorriso dela amargurou-se mais uma vez, flagelando o resto do corpo com as metades da sua alegria. Tinha dentro das lágrimas o sabor azedo de sentir-se tão envergonhada, como poderia estar se lamentando se nesse mesmo caminho as pedras foram postas de lado? Nenhum tropeço para machucar-lhe. Luísa, ajeitou bem o vestido, para levantar-se do chão, cambaleou, fechou os olhos e não permitiu nenhuma demonstração de sentimento, nem a alegria escondida, nem as lágrimas. Encostou-se no armário e deixou escorrer no canto da boca um sorriso, mordiscou o mesmo canto do lábio e sentiu-se plena. Não tinha nada nem ninguém que a afastasse de si mesmo mais do que Luis Fernandes, e aquele homem roubava-lhe todas as noites a luz dos seus olhos, roubava-lhe e depois devolvia, toda manchada, fraca, quase apagando. Ah, quem dera se levasse consigo apenas uma lâmpada e não a luz inteira.

Marcella Casari

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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Uma História

Eu tinha uma história pra contar, mas me esqueci. Tinha planos pra hoje a noite, mas desmarquei. Esqueci-me por falta de coragem, considerei demais meu medo e a minha vergonha, e pus de lado esse pensamento. Nessa história que nem me lembro mais, eu tinha alguma coisa pra contar, mais um segredo pra revelar, uma alegria que perdi pelo caminho, meu sorriso que se desgastou, manchado de uma injúria sem limites; nessa história eu contaria pra você como foi a minha semana, e como estão sendo meus planos pra daqui uns meses, eu comentaria meus sonhos frustrados, minhas lágrimas imaginárias, meus sorrisos falsos e como sou dissimulada. Nessa história eu te diria como anda a minha vida, a dor que sinto, a maneira como eu lido com tudo isso; eu te diria que tá tudo bem, porque eu sei que assim você estaria sorrindo pra quando eu voltar pros teus braços. Eu tinha uma história pra contar. E com ela eu resumiria minha saga, minhas chagas e inxaços pela pele. Revelar-te-ia, o último sorriso que dei semana passada, e o suspiro que dei segundos atrás, com essa história, você saberia metade das minhas verdades, e o inteiro das minhas mentiras mais sujas, imundas e totalmente convidativas. Quem sabe você se enojasse de mim, quem sabe me amasse um segundo a mais.

Marcella Casari

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domingo, 13 de setembro de 2009

Isso sim é uma metáfora

Deixei que me conduzisse muito bem. Com as minhas mãos apoidadas nas suas, só pra que eu ainda seguisse em linha reta. Deixei depois que soltasse delas, pra que o mesmo caminho fosse alcançado da maneira certa.

Marcella Casari

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sábado, 12 de setembro de 2009

É uma metáfora

Eu conheço essa cidade com a palma da minha mão. Só não me peça pra andar mais rápido. Eu vou pelos caminhos mais longos. Apreciando a paisagem. Tocando fundo n’alma das minhas memórias. Não me peça pra ficar calado quando passarmos em frente à casa da minha infância. Faço questão de te revelar os meus segredos escondidos embaixo do tapete. Minhas travessuras e a coleção de cartão-postal. Não me peça pra não te mostrar a cor da roupa da minha cama, nem o travesseiro com cheiro de orquídeas, meu maior orgulho era aquele cheiro quando eu sonhava com você. Não venha me privar de te mostrar a folha rasgada em frente àquela porta, nela tinha a sua letra, naquela maldita carta de quando pensou que fosse viver sem mim. Não faz tanto tempo assim. Eu ainda lembro do gosto da fruta do jardim, da sua mão toda melada de manga, e o seu sorriso sarcástico quando acusei estar suja a sua boca. Não me peça pra pegar um atalho, quando eu sei que no caminho mais longo eu posso ouvir mais a tua voz balbuciando coisinhas que agora eu não sei nem mais o que significa. Eu to te vendo, você ta aqui, e só isso importa.

Não me peça pra falar mais baixo, nem pra largar a sua mão.
Não me peça para andar pela calçada já que no meio da rua eu desenhei nossos nomes com carvão, eu sei que não tem mais nada, mas só de imaginar a cor escura do carvão grudada nos meus dedos já vale a pena não saber exatamente onde escrevi. Você sorriu quando te contei dessa façanha, veio e me deu um beijo no rosto, tentei te fazer rir, mas você toda escrupulosa revelou-me não sentir cócegas, isso até o dia em que pus a mão no lugar certo. Não larga da minha mão, eu sei por onde guiar meus pés, mas minhas mãos dentro dos bolsos não cabem mais, deixa se encaixarem nas suas, e o suor que brotar dali a gente ignora, deixa que o meu corpo faça sombra no teu. Não venha me pedir pra não repetir aquela história, eu me lembro muito bem dos detalhes que você deixou escapar com o vento, eu tinha o seu corpo escondido no meu, meus braços adornavam suas costas e você fazia carinho na minha cabeça, como se eu fosse uma criança pedindo carinho, e eu era, eu estava ali suplicando e você tinha toda atenção pra mim.
Eu conheço essa cidade com a palma das minhas mãos, mas por você eu me perco, me esquivo das ruas principais, aventuro-me por ruas sem saída e vou pela sombra.
Só não me peça para ir por outro caminho.

Marcella Casari

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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Sem Mais

Confesso que te queria por perto pra alisar meus cabelos, passar seus dedos pelos meus fios, os bastante, pra que eu pudesse brigar com você aqui perto de mim. Minha cabeça encostada no seu colo, pra que eu pudesse sentir o seu cheiro que fica na minha roupa. E você então pegaria a minha mão e beijaria, fecharia os olhos, levantar-me-ia dali, pra que meu rosto chegasse bem próximo do seu, e o seu oxigênio percorresse minha face, um ar quente, espesso, só pra que eu também fechasse os olhos...

Marcella Casari

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A folha verde

Eu tinha guardado dentro do bolso aquele pedacinho de folha que me deu semana passada, eu tinha dobrado e guardado no bolso da calça, e tá aqui até agora. Lembra? É aquela folha verde, nossa, verde, e tudo o que vem de você fica mais lindo ainda quando é... verde. E olha que a calça já foi lavada, mais ela ainda tem o cheirinho do seu perfume que eu não sei o nome, acho que nunca te perguntei né? De onde vem esse seu cheiro. Eu não podia deixar de considerar a sua mão colocando a folha dentro do meu bolso, tentando se encaixar naquele espaço minúsculo, e só couberam dois dedos seus, e ainda foi difícil de ajeitar a folha ali, eu deixei porque era a sua mão, tinha o seu braço e o seu corpo comigo. Mas agora eu estou tirando essa folha de dentro do bolso da calça, eu vou guardar comigo, numa caixinha que eu tenho dentro do guarda-roupa. É coisa de menina esse negócio de ficar guardando as coisas. Mas essa folha tem o seu gosto nela, esse gosto do seu cheirinho, o gosto da sua mão, do seu braço, de você comigo.

Marcella Casari

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Frio

Aquela brisa espalhava meus cabelos, bagunçava todo o arranjo que eu tinha feito pra ficar mais bonita. Eu tapava os olhos pra não entrar poeira, então você vinha com suas mãos gigantes, me proteger do frio que começava queimando e terminava quando eu já estava dentro da sua blusa de frio, dividindo o seu calor. Eu cabia exatamente encostada no seu peito, ouvindo o seu coração bater, sua respiração ofegante, o ar quente que saia da sua boca e me atravessava as orelhas, chegando a nuca me causando um arrepio, mais um arrepio naquele frio em que você me protegia. Seus dedos encostavam-se à minha boca, porque você sabe que sinto muito frio ali, eu te mordia bem de leve, e o seu ai saia fraco, o vento te arrancava a voz mais linda do mundo, e punha no lugar uma rouquidão que me deixava louca, você tava tão perto, e eu cabia exatamente com você. Você me balançava de lá pra cá, como se eu fosse uma criança mimada, precisando de carinho, e eu precisava, sim, eu precisava pôr minhas mãos nos teus bolsos, procurar ali alguma coisa, só pra poder percorrer seu corpo mais de perto, mais de perto, e você ria quando a minha mão não sabia onde estava, afastava-se e eu ria pra você, eu ria e você ria, a gente concordava com tudo aquilo e sabia que nem se nascesse o sol naquela noite, nem o sol me aqueceria mais que passar o frio dentro da sua blusa, dividindo com o seu corpo o mesmo calor que aquecia o meu. E me beijava a testa, em sinal de amor, e tinha ainda o amor, só pra enfatizar.

Marcella Casari

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Carmem

Ele tinha nas mangas umas atitudes difíceis de se aceitar. Um sorrisinho sarcástico que escondia melancolia e desejo. Tinha dentro dos globos oculares uns feitiços animalescos, que fazia jazer de amor qualquer mulher que lhe penetrasse bem fundo os olhos, algumas delas, pobres coitadas, iludidas e sofridas. Nenhuma lhe arrancara do rosto essa convicção de homem dos sonhos, ele carregava o leve fardo de ser o homem perfeito que arrancava de qualquer mulher a pureza que escondia dentro da roupa, ou no próprio olhar, ele dominava sem direito, e isso incomodava muito. Não era o cabelo despenteado, nem as roupas mal passadas por sua mãe, nem se quer a barba que arrancava daquelas mulheres um suspiro atrás do outro, como se aquela dor fosse o auge do prazer delas, ah, pobres coitadas. Não havia nada naquele homem que não revirasse suas cabeças, não tinha sequer um pedaço de seu corpo que não lhes arrepiasse a alma por inteiro, até seus pés, seus pelos, seus ombros, sua língua.

Carmem se encantara por Armando, estava evidente, e negava. Eram jovens e o que o destino não poderia estar reservando a eles? Mas Carmem tinha medo de se perder, deixar-se levar por aquelas mãos quentes não estava necessariamente em seus planos, tentou, mas não evitou olhar de lado assim que Armando sentou-se ao seu lado na mesa do bar, puxando pra dentro a fumaça do cigarro, não, Carmem precisava vê-lo, ao menos pra desmerecê-lo de todos os adjetivos. Não via nada além de um homem mal vestido, que fedia o cigarro que fumava misturado com perfumes de pelo menos umas vinte mulheres. Ele tinha aquelas sobrancelhas despenteadas, o suor escorrendo por seu rosto, o primeiro botão da camisa desabotoado, as mãos grandes marcadas por veias a vista e nada desconcentrava aquela mulher, Carmem virou o rosto, fez cara de desdém e desejou nunca mais vê-lo. Sua fama, ao contrário do que acontecia com a maioria das mulheres, não a atraia, sentia repulsa só de imaginá-lo mais uma vez. Ao menos foi o que jurou a si mesma.
Ela voltou pra casa pensando na cena anterior. Como tantas mulheres poderiam dar valor a um homem como aquele? Homem? Ele nem se assemelha a um, um animal, isso sim, e perigoso, muito perigoso.

Não tirou da cabeça aquele corpo, o cheiro forte do cigarro de quinta, o colarinho da camisa mal passado, o botão aberto que deixava aparecer ainda um pouco dos pelos do seu peito, o braço estendido pra sustentar o cigarro nas pontas dos dedos, o cabelo bagunçado, comprido, preto, as raras sobrancelhas desajeitadas, o rosto ensopa de suor, a barba por fazer, os olhos, os olhos azuis que tentavam se esconder quando ele piscava e mesmo assim dava pra vê-los, e a maneira como ele estava sentado. Carmem tentou, mas aquele homem a consumia já havia duas semanas e nunca mais voltou àquele bar, só o cheiro e delirava. Era ridículo tudo aquilo, e batia a mão na cabeça pra tentar esquecê-lo, ele é homem de todas, todas, menos meu, ela lamentava entre suspiros.



Armando saiu do bar e foi pra casa de Anita. Tomou-a em seus braços, forçou-a a beijar-lhe a boca e ela negou, deu-lhe um tapa e cuspiu em seu rosto. Alegou estar cansada de toda essa palhaçada, cansou-se de ser um objeto nas mãos dele, ao mesmo tomou vergonha na cara, empurrou-o pra fora de sua casa e nunca mais quis vê-lo. Em sua cama estava Roberto, o seu homem dessa vez. Armando chorou. Derramou lágrimas de tão bêbado, chutou com força a pedra que tinha na sua frente, acertou um cachorro, latiu alto, mandou-o ao inferno. Quis um colo, e aquela era a sua maior vergonha, um bêbado carente que se arrependera. Não me lembro de ter dito, mas, Anita era sua namorada e também dona de seu coração, bom, ao menos era. Até que ele determinou-se a ficar só. Nenhuma mulher tinha mais a chance de roubar-lhe o fôlego.


Carmem pôs a chave de casa na bolsa, e saiu andando por sua rua, como uma desconhecida, olhando para os lados temendo ser observada, como se a perseguissem, pois estava preste a cometer um crime. Um crime do coração. Nunca acreditou muito nessas coisas de amor à primeira vista, e Armando não é lá homem que se deposite muita confiança não, todo aquele ar de superioridade causava ojerizas à Carmem. Mas isso não vencia os suspirar que dava. Decidiu voltar àquele bar. O mesmo bar que estava cheio do jeito de Armando, suas curvas, seu cheiro de gente. Não tinha certeza. Mas se não fosse, dormiria com a dúvida e acordaria perplexa, cheia de desejos que mal poderia suportar, seria pior que caminhar com aquela incerteza.

Viu Armando na sarjeta. Com o cigarro no canto da boca, dando carinho ao cachorro mulambento, que mexia o rabinho de felicidade. Viu no rosto dele, marcas de lágrimas. Como se um homem daqueles pudesse ter lágrimas para derramar. Já não sabia mais se entrava no bar, ou se tomava um gole de coragem para sentar-se ali ao lado do homem, pra que ao menos o cheiro dele pudesse penetrar em suas narinas, fazendo cócegas, que a faria rir. Não era um cheiro bom, muito menos agradável, era o cigarro, com o suor e perfumes femininos, mas era Armando e todo aquele cheiro, e todo aquele gosto (...)


Marcella Casari

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terça-feira, 1 de setembro de 2009

Amir

Amir carregava sobre si o peso do mundo. Alguma parte desse peso, ele pediu pra ter, outra foi simplesmente jogada em seus ombros, como se o corpo esguio dele pudesse carregar mais do que seu próprio organismo. Eram sorrisos, tristezas, brigas, discussões, lágrimas, abraços, socos, pontapés, beijos, todos ensacados em sacolas plásticos de supermercado e jogados sobre Amir, o rapaz tinha vocação pra capacho. Assim foi com seus pais, avós, tios, e é claro, com sua ex-namorada, que agora não suporta nem olhar pra cara dele, que diz com uma ênfase surpreendente que perdera anos preciosos de sua vida nas mãos daquele, capacho. Alguma coisa de muito ruim ele devia ter feito, talvez tenha sido ele que pregou Jesus Cristo na cruz, ou então aquele que se esqueceu a data de aniversário de namoro, ou o feriado mais importante para sua mãe, ou então que tipo de palavra não agrada um pai. Independente se seus erros cômicos ou não, Amir tinha esse jeitinho todo especial, que atraia qualquer um pra despejar em seus ouvidos palavras muitas vezes rudes, as orelhas dele eram como um vaso sanitário, um banheiro público, que bastava dar descarga pra que toda aquela porcaria que havia dentro do indivíduo fosse embora. Amir era a própria “bosta” descendo pelo esgoto. Por mais que se sentisse entupido de palavras sórdidas, punha no rosto pálido um sorriso que mal podia valer a pena, não conseguia enganar nem se quer o porteiro do condomínio, que, aliás, odeia Amir. Caso amor fosse medido com memória Amir não seria muito bem valorizado, não confiava em seu cérebro nem pra pagar a conta de telefone, ainda mais para dar parabéns em festas de aniversário. Se fosse medido com palavras, Amir morria em silêncio, mas não abriria a boca pra declarar nada, nem sequer um muito obrigada depois de colocarem coca-cola em seu copo na hora do jantar, nem um, por favor, nem nada. (...)

Marcella Casari

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