sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Outro Rascunho

O cheiro da roupa de cama recém lavada e posta sobre os pés de Sophia me fizerem lembrar do primeiro riso de bom dia que escutei sair dos seus lábios, o caminho suave que percorreu até meu ouvido, tilintando o prazer de tê-la ao meu lado. Nem é mais o mesmo sabão em pó, mas o cheiro é tão parecido que ela ainda sorri do mesmo jeito, apoiando o rosto sobre as mãos, fechando firmemente os olhos e me revelando todos os dentes brancos, apesar de ainda nem ter saído da cama pra escová-los, linda como sempre. Linda com o pijama descascado com o tempo e os cabelos bagunçados mal ajeitados atrás das orelhas. Ainda me lembro do receio que ela tinha de que eu a visse sem maquiagem, mas eu já sabia do contorno dos olhos dela, dos poucos cílios que o adornavam, do castanho escuro que vinha escorrido da pupila preta, os cantos bem puxados, acentuando esse ar exótico que expandia meu dia de alegria. A verdade é que ela sempre foi a razão do bom dia ser verdadeiramente um bom dia, e do boa noite ainda ser boa noite depois de um dia inteiro de trabalho, cansado, exausto, sujo, fedido. E ela vem com as mãos ainda úmidas de saudade contornar meu pescoço e sussurrar no ouvido o quanto ela me ama e perguntar como foi meu dia, e eu com a pele suja do meu suor me permitia mesclar com a saudade dela do meu cheiro, pra que o cheiro dela me fizesse lembrar do motivo dos meus dias. Como se o riso dela caminhando e contornando a minha cabeça já não fosse suficiente. Se já não fossem os lábios molhados, a língua mordida no canto da boca e os olhos dela confundindo os meus, os olhos dela confundindo-se com os meus.

E não me importa o tempo que passou, a poeira por sobre a cômoda do quarto, nem o vidro mal colocado sobre a mesa de centro da sala. O importante é o estado conjugal que nos encontramos agora. Totalmente mergulhados e ensopados até as pontas de tanto amor, e não aquele amor vazio, repentino, que mexe com o sexo e não com o coração, é aquele amor que causa amor, que sofre amor, que respira amor, amor por si só, independente de ausência ou presença, de beijos ou de brigas. Não é simplesmente estar casado e viver dessa comunhão, é um estado, é outro verbo, o verbo ser, verbo de ligação tanto quanto estar, mas com nós mais firmes, não nós que prendem, que murcham, mas nós de sentimento, nós de carinho, de beijos, de abraços e cafunés estendidos até a madrugada.

Ela nunca gostou muito das minhas brincadeirinhas, sempre que dizia a ela que não a amava mais ou que a letra dela é feia ou então pra ela me dizer quando não gostasse mais de mim. Ela sempre se sentia insegura quando minhas palavras a invadiam de medos e incertezas, mal sabia ela o tamanho do meu amor. Mas nunca deixei de amá-la. E ainda amo, apesar do vento que enruga a minha pele e do gosto ser sempre azedo ao passar pela minha garganta. Mas eu nunca me importei mesmo, se a comida tinha mais ou menos sal, ou se o doce não era doce. Os lábios dela contornando a minha boca de saliva mexiam com toda a percepção de sabores da minha língua, eu já não podia sentir o gosto de mais nada, só o sabor indecifrável da boca dela mordendo a minha, a boca seca com saudade da dela. E ela não pode ficar longe de mim por muito tempo. No começo achamos que íamos enjoar de tanto grude, mas a nossa liberdade tinha saudade de ficar junto, de por os braços em volta um do corpo do outro. Ela ainda diz baixinho no meu ouvido, Eu te amo, Lucas! E eu ainda sinto o mesmo arrepio na nuca toda vez que o calor da boca dela encontra os pelos do meu pescoço e desmancha minha coragem em uma vontade louca de tê-la ainda mais perto.
Não sei o que me dói mais. Se, são os beliscões que ela está me dando agora enquanto digito essas palavras meladas de carinho, ou a saudade que sempre me dá das mãos dela acariciando meus dedos indicadores, ou dos dedos dela brincando com a minha boca, com a minha língua. Ela nem imagina a sensação de paz que encontro em meio a selva dos dedos dela percorrendo meus inúmeros caminhos, minhas trilhas. É marcante a saudade que ela sente de mim, Chega a ser hipócrita tamanho egoísmo que ela sente, tamanha possessão, mas eu sempre fui loucamente apaixonado por todo esse egocentrismo que exige de mim a presença mais próxima, a distância mais próxima, o carinho mais próximo, os beijos mais próximos, as discussões mais próximas. No início sentia-me um pouco sufocado quando os braços dela não me deixavam partir quando eu tinha que partir, ou quando eu precisava do meu tempo comigo mesmo, sem mulher, sem nada, só meus pensamentos, minhas divagações. Ela nunca tolerou minha ausência estar do lado dela, quando o que ela mais precisava era de mim. E eu nunca precisei dela, eu apenas quis, e quero, e vou querer. Ainda as cócegas que ela me dá liberando da minha boca os risos e sorrisos prediletos dela, e o mais bonito é ela rir de volta, aceitar meu convite de viver uma vida lado a lado e não sozinhos. Jamais. E é esse ponto que quero discutir, contar, revelar. Talvez nossas vidas pareçam simplesmente Lucas para Sophia e Sophia para Lucas, mas o amor que somos não vem de nós..

Marcella Casari

Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.

2 comentários:

Ana Paula disse...

Maravilhoso, Marcella...
Sophia e Lucas...
Parabéns.

Anônimo disse...

Voltei a ativa no blog e claro, tive que passar aqui...

seus textos são muito bons e vou vir sempree!!

;**