sexta-feira, 11 de abril de 2008

Texto Vitória

“Tem ainda uma foto sua em meu mural, está presa com um ímã em forma de estrela. Na foto você era bem pequena, lá pelos dois anos de idade, está sentada sobre uma grama bem verdinha, embaixo da sombra de uma árvore, segurando com a mão direita uma bola de tamanho média alaranjada, está com marcas de suor no corpo, e o rosto todo molhado pelo excesso do sol, pelo jeito já estaria cansada de tanto brincar”.

Era o que estava escrito no bilhete que Marília escrevera para Vilma. Com uma letra bem firme, porém borrada com um pouco do suco de laranja que derramou sem querer sobre o papel assim que puxou a bolsa que estava bem ao lado com toda força, o impacto foi suficiente para apenas gotejar um pouco do líquido sobre o que estava em branco na folha. Marília dobrou cuidadosamente o papel, também pelo carinho, mas pelo nojo de ficar com as mãos meladas. Colocou o bilhete dentro do bolso esquerdo da calça jeans surrada e mal-lavada pela lavanderia do bairro onde mora.
Sinceramente entregar o bilhete naquele estado, era patético, pensou Marília, mas estava com pressa, e decerto Vilma entenderia. Quis reescreve-lo, mas não pôde.
Estava sem carro aquela manhã, teve que andar a pé; e estava frio, o vento gelado cortava sua pele, fazendo-a tremular os dentes, suas mãos estavam bem geladas e suas unhas estavam começando a ficar bem roxeadas, sua boca estava praticamente inteira cortada, e sentia dores nas articulações. O escritório onde trabalha Vilma não fica muito longe de onde trabalha, mas o suficiente para desejar estar num abrigo aquecido, do que na rua àquela hora da manhã.

Marília subiu pelo elevador até o andar onde fica o escritório de sua velha amiga, perguntou por ela para sua secretária, mas esta respondeu que Vilma estava em uma reunião, perguntou-lhe se esperaria, mas Marília negou, e pediu que lhe entregasse o bilhete, a secretária fez que sim com a cabeça, e se despediram. Marília sentiu, que talvez Vilma não entendesse o motivo do bilhete, escrito em uma folha de caderno, meio amassada, com algumas gotas, e ainda quem sabe, o aroma do suco de laranja que derramara aquela manhã sobre o papel deixado em cima da mesa da cozinha.
Provavelmente a ligaria mais tarde para lhe perguntar o porque, e que foto seria aquela, mas na realidade sentiu mesmo, que Vilma nem a questionaria por nada. Apesar de tão próximas, já não se viam há alguns meses, isso era muito tempo, considerando o laço de amizade tão antigo que as unia tão profundamente.
Marília não se concentrou no trabalho, deixou-se perder vários compromissos.

O sol estava forte quando Marília estava indo embora do trabalho, tirou a jaqueta de frio, deixou aparecer sua blusa branca, meio amarelada, e enfim sentiu vir à cor normal nas unhas, a boca mais natural, e o sol acariciava sua pele gentilmente. Desejava até continuar andando pela cidade, chegou a passar duas casas depois da sua. Sempre sorri quando o dia está quente, com um sol faiscante de tanto calor, era fim de tarde, mas para ela aquele pouco sol que inundava o fim do dia era magnífico, era como estar em um outro lugar, longe de qualquer problema, ou preocupações.
Deu meia volta, e pegou a chave da porta da casa, abriu-a com cuidado, para que não fizesse rangido algum, foi incrível ver a quantidade de cartas que havia no chão, encarou com atenção um envelope em especial, ele era grande e branco, com adesivos coloridos que fechavam a abertura do envelope; fechou a porta, trancou-a, sentou-se no chão, pegou o envelope e foi olhar direto ao remetente, era de Vilma.
Ficou estarrecida com a surpresa, Vilma não somente leu o bilhete que Marília deixara como a respondeu, e com todo o carinho de mandar-lhe uma carta, o correio da cidade era veloz.
Leu a carta para si mesma, numa voz baixa, quase que muda, sussurrando palavras sim, outras simplesmente não, e deu um sorrisinho amargo. Era de felicidade apesar de não parecer, Vilma a estava convidando para um jantar na sua casa, na próxima sexta-feira, e pediu que levasse a foto, havia muitos agrados e elogios, promessas, e cumprimentos de uma amizade realmente eterna, nem mesmo a distância de estarem tão próximas uma da outra fez com que todo o tempo sem nenhuma vista fizesse morrer algo tão puro. Vilma deixou bem claro que em sua casa estaria, ela mesma, Marília, Ísis, Rafaela e Marina, era como um encontro muito mais do que obrigatório, era mesmo uma carência de verdadeiras amigas.
E já fazia anos que não se viam, todas as cinco, e eram meninas ainda quando se conheceram, umas mudaram de cidade, outras de país, e Marília e Vilma na mesma cidade, mas parecia ser muito mais distante.

Marília acordou de outra forma. Com certeza mais disposta e alegre. Foi a sexta-feira de maior expectativa de toda a sua vida, jamais se sentira tão feliz. Tomou o café da manhã com um sorriso tão grande no rosto, que mal conseguia comer. O frio nem foi tão intenso assim, e na realidade parecia não haver frio algum na rua. No trabalho tudo certo, algumas broncas é claro, uma concentração meio falha nos seus afazeres, mas nada tão bom. Voltou pra casa, estava até mais radiante do que o sol, que enfim se escondeu atrás do horizonte, e Marília lhe agradeceu o calor mais feliz de todo aquele ano. Teve vontade de chegar antes do horário combinado, ficou pronta tão rapidamente que até mesmo, quando finalmente parou para pensar em toda aquela situação, ficou perplexa. Estava bonita, com o cabelo solto, com lápis bem delicado contornando os olhos, uma blusa verde com detalhes em prateado, uma calça jeans dessa vez bem lavada, um scarpin preto, com a costura de linha verde. Estava definitivamente pronta.

A casa de Vilma sim era muito longe da de Marília. Teve que de alguma forma apressar o trabalho do mecânico que cuidava do seu carro havia dois dias. Por mais desesperador que tivesse sido toda a espera até a resposta do final do mecânico, ele lhe devolveu o carro em perfeito estado. Marília não quis levar a bolsa, guardou a chave de casa no porta-luvas do carro e foi. Fazia tempo que não passeava pela cidade, não via há muito, a padaria do seu Joaquim, a locadora. Foi praticamente uma viajem, que deu tempo pra refletir, e pensar em como contar as novidades, em como dizer como é no seu trabalho, como anda a sua vida, estava mesmo é se preparando para não chorar. {...}

Marcella Casari

Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.

Olhos Fechados

Os olhos fechados que se fazem assim de propósito, apenas para disfarçar, apenas enganam um outro coração calado e pequeno, aquele que vive dentro de você, e que me fascina sendo desconhecido; as vezes sinto, que as vezes sei, que quem sabe ele mesmo pensa bem sobre mim. Que mesmo longe, nós estamos pertos, e cada vez meu mundo abre as portas pra ti, e você nem se dá conta de tamanha afeição. Toco-te o cabelo com as pontas dos meus dedos, eles desmancham seu penteado, te fazendo parecer atrapalhado, é um desajeitado casual. Mas um desajeitado inconveniente ousando pensar que mesmo tão óbvio o meu amor é raro, é tão verdade, e sabe que meu amor é esse, que te bate à porta do coração e te importuna manhãs e noites seguidas, e como um birrento malicioso tranca qualquer meio de se entrar nessa vida pacata e deliciosa que envolve seus dias, e que dias, passa. O valor de tudo se perdeu, e sabe muito bem o quão valioso é, sabe que do amor importuno existe algum coração que te consola.


Marcella Casari

Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Sem nome ainda

Mais um texto sem nome, esse eu queria mesmo que fosse meu livro, a princípio tive muitas idéias, mas elas logo falharam, decepicionei-me, mas enfim, este aqui é o começo de mais uma história sem fim:

Foi de repente quando eu decidi que seria melhor esquecer de muita coisa. Foi ai então que eu fechei a porta do quarto com cuidado, esperando talvez que ela não me deixasse ir embora. Catei as malas que estavam no sofá da sala, e fechei a última porta que havia para se fechar, tranquei-a e joguei a chave por debaixo dela. Segui pelo corredor mal-iluminado do prédio, cabisbaixo, se ao menos tivéssemos discutido, quem sabe me sentiria mais aliviado de tamanho arrependimento. Mas agora não havia sentimento algum que me fizesse voltar atrás, abrir as portas, descansar ao lado dela.
Estava fatigado. O dia no trabalho foi penoso, cheio de coisas para fazer, broncas intermináveis que tive que escutar devido ao meu atraso, telefones que zumbiram o tempo todo, o lanche que não deu tempo para comer, estava ainda faminto. Entrei no carro, deixei as malas no banco traseiro, coloquei as mãos no volante e num suspiro quase aliviado percebi que não tinha para onde ir. Ela estava dormindo ainda, quando sai.Liguei o motor quase implorando para que ele não falhasse, e não falhou. Segui por ruas que conhecia muito bem, e por outras que nem sabia que existiam. Pensei em Pedro, talvez ele tivesse como me ajudar naquele momento.


Marcella Casari

Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.