terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Ao Desapego

Eu sou muito achegada às coisas. Eu me aproximo delas e logo elas estão coladas em mim, nas minhas manias e no meu jeito de ser. Eu distribuo afeto, e cola de bastão pro mundo todo ficar bem perto de mim. Pra gente não se desgrudar. Assim. Ao pé-da-letra mesmo. Porque estar perto de alguém é sentir o seu afago aparecendo em meio ao silêncio e à necessidade de estar com os olhos vidrados nos olhos da outra pessoa, pra ela não precisar de mais nada no mundo. Eu gosto dessa aproximação excessiva. Das peles grudadas com o suor das palmas das mãos, com as risadas remexidas dentro do estômago, e até das lágrimas lambendo a face, lavando a alma como dizem por ai. Eu sou muito próxima. Sou claramente apegada às pessoas e às cargas delas, e às alegrias, e às coisas ruins delas misturadas com os sorrisos e às caras amassadas. Eu sou apegada às pessoas e aos objetos pessoais delas, às roupas que eu memorizo, às frases mais ditas, aos segredos que eu posso até não saber. Às cores preferidas, aos nomes. Sou apegada às lembranças que eu guardo numa caixa, nas lembranças que não são guardáveis no armário, às lembranças que ninguém mais sabe. Eu gosto de memórias. Eu sou muitíssimo apegada às datas (...)

Marcella Casari  

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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Don't get used

Eu espero não estar preparada caso alguma coisa sai dos conformes. Eu quero que o chão saia dos meus pés, que eu perca a direção ou o sentido e só me conforme um tempo depois. Se isso acontecer. Ao contrário do que dizem, eu não quero estar atenta às mudanças, porque elas vão acontecer, mais cedo ou mais tarde, caso eu já saiba eu espero abraçá-la bem forte. Porque eu não quero evitar estar andando e errar o caminho. Eu quero me surpreender ao estar por ai, virar uma esquina errada, comer um salgado com nome esquisito numa padaria que eu nunca estive e tomar coca na latinha sem canudo, só pra variar. Eu espero variar, trocar os lados dos talheres ao arrumar a mesa, lavar os copos depois os pratos, tomar banho antes de dormir ou então mudar o percurso pra faculdade, trocar o dia pela noite. Eu não quero sempre combinar a cor da blusa com a cor dos sapatos, não quero ter medo de usar brinco dourado e o sapato com detalhes prateados. Quem sabe cumprimentar as pessoas na rua, ser apresentável e experimentar novos sabores, comidas. Eu não espero estar sempre vestindo o mesmo tipo de roupa, nem as mesmas cores organizadas do mesmo jeito dentro da gaveta. Eu espero por uma escova de dente laranja, que as pessoas acertem como escreve meu nome e que eu possa beber suco de caju numa festa qualquer dessas. Eu quero explicar como eu sou e não esperar que as pessoas adivinhem, porque elas não vão adivinhar que eu prefiro rosa a lilás e verde mais do que qualquer outra cor. Mas eu também espero nunca mais gostar de verde. 
Eu quero escrever menos do que falar, ouvir menos, opinar mais, dar palpites, me intrometer nas conversas alheias. Pra que quem sabe as coisas que eu costumo fazer hoje não sejam as coisas que eu irei fazer pro resto da minha vida. 

Marcella Casari 

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