sábado, 29 de agosto de 2009

Sábado e eu aqui

Acabou grande parte do meu ânimo, grande parte da minha vontade de ter ânimo. Sou dependente. Viciada. Subordinada. Submissa. Vassala. Escrava. Do meu amor. Me diz quem foi o filho da mãe que determinou isso. Não, porque agora é assim que tá sendo a minha vida e ninguém tem nada a ver com isso. E essa é a melhor parte, eu ser totalmente submissa a isso que nem me controla direito, safado, que acha que me tem nas mãos, na verdade, eu é que acho que ele me tem nas mãos, o poder controlador de me fazer feliz, mas não, engano meu, porque ele tá lá, e eu estou aqui. E tudo tem que ser lindo. Absurdo. É um absurdo. Mas cala-te que não convém. Pronto. Ai acaba tudo de vez, dependo de porcaria nenhuma. Será que convém mesmo ficar me lamentando? Que seja cada um na sua e babau. Mas eu não tô conseguindo, tá certo? Não, não tá. Ficar em silêncio esmaga o meu coração, mas filha, acorda estúpida, o que as pessoas tem a ver com isso? Come essa sua vontade e se precisar vomita esse seu sonho, mas bem longe dele, tá escutando? Bem longe dele. É assim, avassalador.
Sábado à noite. Ou você sai de casa com as amigas pra ficar paquerando os gatinhos na rua, ou você vai com a turma da igreja comer um lanche na praça, ou nenhuma das duas opções e fica em casa, senta a bunda na frente do computador, põe aquela música bem fossa e tenta reproduzir no Word o que ta na sua cabeça. Se eu pudesse, eu chorava. Chorava que nem criança. Sem parar. Sério. E se eu pudesse eu berrava também, o suficiente pra minha mãe me calar a boca e tentar me consolar, porque ela não sabe o que dizer pra mim. Levante a mão quem souber. Porque ninguém sabe, e ninguém vai tentar, porque ninguém vai conseguir. É um absurdo. Um absurdo que me deixa louca, feliz, saltitante, uma idiota, e esse é o problema. Essa idiotice colorida que tomou conta de mim, onde já se viu depender de homem pra viver? Ora faça-me um favor, toma vergonha nessa cara. Eu mesma me digo. Com uma voz muito mais grave, forte, alta, eu quase berro, mas mesmo assim, eu me faço de surda, eu devo ser bem surda do pescoço pra baixo. Provavelmente essa olhadinha que você me dá de vez em quando seja o combustível pra eu pensar em você a semana toda. Porque é quase inadmissível você não estar aqui agora. Seria quase inadmissível, se eu ao menos pudesse suportar ter que lembrar que, meu bem acorda, tudo o que você pensa é errado. Só de pensar você já está errando. Pecando.

Marcella Casari

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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Afeição

Eu poderia descrever você das formas como eu imagino, lidando apenas com as luzes fracas da sala de estar, a sua sombra tomando conta do sofá, seus olhos observando sobre o óculos aquilo que se enxerga somente a olho nu. Eu taparia toda a minha privacidade se soubesse que com esses mesmos olhos voce me diria tanta coisa. Eu me deixei ser traduzida, suas mãos que bem levemente iam lendo por entrelinhas as alegrias e desesperos da minha vida, tatuadas na pele, com a mesma firmeza que prendo o ar pra não deixar escapar nada. Ah se eu soubesse que me levaria tão bem nas palmas das mãos teria sido mais firme, grudaria os pés no chão, as mãos na parede, pra que não me arrastasse assim pro seu lado. Eu teria acendido as luzes, posto a mão nos seus olhos só pra não me perder dentro deles, pra não cair nesses poços sem fim, que sugam as incertezas do meu coração e levam pra sabe-se lá onde. Eu poderia descrever você como um simples cara que conheci, mais um homem na minha vida, mais um corpo que me sustentasse as mágoas, mais um sorriso que me abrisse as portas, mais um abraço que me escondesse. Estou acostumada com a sua mão segurando a minha, um encaixe, que se tivesse sido combinado teria dado errado. Eu poderia fingir que não ligo a mínima quando liga pra mim e que me deixa louca só de imaginar você sorrindo, eu poderia muito bem te dizer pra calar essa boca, só pra que eu não escutasse a sua voz bem pertinho de mim e sentisse esse arrepio que começa e não acaba nunca. E eu te faria acreditar que no teu abraço ainda sou a mesma. Já não sou mais. Eu posso muito bem te dizer que quando você tá do meu lado tudo fica normal, eu posso te convencer que quando você tá perto o meu coração não bate mais rápido. Poderia muito bem, sim, eu poderia muito bem te deixar de lado, e sobreviver sem as formas como eu te imagino.

Marcella Casari

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"... E me abraçasse e dissesse que tudo bem, tudo bem de vez em quando eu perder assim a razão ou o equilíbrio."

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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Desculpa esfarrapada

Deixa eu te pedir desculpas, eu tenho tanta coisa pra falar mais ao mesmo tempo essas palavras não encontram vez dentro da minha boca. Então deixa eu guardar tudo o que tenho pra dizer. Bem que podia ler a minha mente, me poupar de ser mais uma vez esdrúxula, pra eu esconder essa vergonha que eu tô sentindo. Eu to mentindo um pouco, escondendo mais ainda, tá fazendo parte de mim toda essa agonia. Não, acho que vou poupá-lo são tantas letras agrupadas, tanto do meu sonho, do meu medo, da minha saudade, tanto, tanto, tanto. Deixa eu te pedir desculpas sem saber porquê, deixa eu ficar pertinho assim como eu tô, mas deixa isso ser verdade mais uma vez, deixa eu te escutar aqui sozinha, deixa eu te ver quando você não tá aqui. Não venha me roubar não, eu to guardando pra mais tarde, deixa tudo ficar mais claro depois, ou nunca. Deixa eu te pedir desculpas.

Marcella Casari

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Romantismo que não morre

Ei, você deixou cair isto aqui! Ah, sim, he, obrigada. Prazer, meu nome é Paulo. É, prazer, Luísa. Calma, não quer que eu te ajude? Isso deve tá bem pesado né? É, tá sim, mas tudo bem eu carrego sozinha, eu não moro tão longe, obrigada! Vou te ver de novo? Não sei. Não sei não é resposta né, sim ou não? Mais tarde ou amanhã?
Eu tenho que ir Paulo, tenho mesmo. Luísa, Luísa...
É, amanhã? Pode ser? Eu trabalho na ótica do Seu Carlos, eu saio às cinco e meia, han, tchau. Sim, eu estarei lá, até. Não quer mesmo a minha ajuda? Não, brigada, brigada, ops, hehe.

Marcella Casari

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Acusa

Então eu não gosto de você? É isso? Não, porque agora você tá dando uma de louca, não, olha pra mim, eu to mandando você olhar pra mim saco, olha, por que se tá falando isso? Porque eu sou fútil? Você tá dizendo que eu sou fútil? Saco, por que é tudo culpa minha? Hein? Não, voce acha que tá sendo fácil pra mim né, você é mesmo muito prepotente cara, se enxerga um pouco, ou pelo menos para um pouco pra ver como eu te enxergo, ou não, você não consegue ver. Que que você quer hein? Que eu grite pro mundo que eu te amo? Não, porque se você quiser eu grito, me solta, eu vou gritar. Não é isso o que você quer? Ou nem assim tá bom pra você? Que? Agora eu sou infantil, nossa, aplausos pra você, vocè é ridícula sabia, esse seu jeito de falar, sabe, me acusa de tudo, me acusa de estar causando o efeito estufa, me acusa de não colaborar com a lei anti-fumo, me acusa de matar, de roubar, de tudo, mas olha, olha pra mim, amor, só não me acusa de não gostar de você. Porque isso eu não suportaria.(Adaptação de um filme)

Marcella Casari

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terça-feira, 25 de agosto de 2009

Dona Saudade e Senhor Vazio

Eu acabo ficando com medo sempre que me vejo rodeada desse vazio insuportável, ele me suga, me come, me bebe e ainda não se satisfaz, é um ingrato. Caminho com esse corpo sobrecarregado, mas como sobrecarregado se está vazio? Como vazio se me pesa? Pesa, pesa e pesa. Olho no espelho e me perco, numa nova curva que surgiu, numa falha na pele, numa mancha, no olho esquerdo, depois o direito, na boca, mas na maior parte do tempo eu não vejo nada. Já derramei lágrimas de desgosto, sim, nem o sal na ponta da língua essas lágrimas me quiseram dar, sim, só desgosto e vergonha, eu sou fraca, sou imunda, nojenta, não, não se contamine comigo, só leva embora esse vazio gordo e folgado, essa saudade filha de uma mãe que fica aqui dentro de mim, ela tenta me ocupar inteira, cada beiradinha do meu corpo, até minhas unhas, minhas imperfeições e meus defeitos. Ou não leva nada embora, que depois que se fica muito tempo com eles, se acostuma, às vezes me dão uma coceirinha gostosa, ou um suspiro bem, mas bem chatinho, mas o ar fica melhor, pelo menos quando sai de mim.
Eu acabo ficando com medo de sonhar, não sonhar, imaginar, ver essas imagens preto e branco na minha cabeça, como um filme do Charles Chaplin, em silêncio, mudo, mas sem legendas. Imagine só. Ainda acho que essas imagens são o vazio e a saudade, imagine você, o vazio um rapaz lindo, mas gordo, bem vestido, e a saudade, bom, a saudade, uma senhora gorda, sentada na varanda costurando, sim essa é a saudade, mas não pense bem do vazio, ele é um rapaz vadio, insuportável, chato. Brigam pra ver quem me domina mais.
Depois daquelas lágrimas sem gosto, nenhum deles pode me vencer.

Marcella Casari

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Pra colher

Bom. Em determinada época da minha vida eu colhi flores pra dar de presente, numa outra, posterior a essa meio sentimental, eu fiz encomendas pelo telefone, de flores que nunca vi murchar. Era romântico confesso, um romântico semi-incurável, de ficar sonhando acordado quando o tempo me permitia. Às vezes eu discutia, outras vezes eu concordava, muitas vezes fui submisso a opiniões que não aceitava, mas confesso que o sorriso dela me valia tudo. Um dia, nessa época de colher flores, eu fiquei comigo mesmo imaginando umas peripécias junto dela, cenas românticas de filme de Hollywood, ela punha a mão dela sobre a minha, aquela mãozinha gelada e pequena, esmaltada de vermelho forte, quase brilhando, assim eu pedia pra ela fechar os olhos, agora aposto que abria um pouco pra enxergar de canto de olho, mas eu não sabia desconfiar dela. Assim eu a conduzia, era incrível a confiança dela em mim, às vezes apertava a minha mão, e isso me fazia sentir o homem mais poderoso do mundo, assim ela me sentia mais próximo, assim ela sabia que poderia contar comigo. Sentia até meu coração bater mais rápido, isso porque era apenas uma imaginação que vira e mexe estava na minha cabeça, sussurrando sempre que tocavam aquelas nossas músicas. Agora algumas dessas flores nem existem mais, umas perderam o cheiro, outras simplesmente murcharam, assim, de uma vez, e estão sabe-se lá onde. Já nem existem mais. Quem dera ter de volta esse romantismo pra colher.

Marcella Casari

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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Re-volta

Vem, senta aqui do meu lado. Ei, eu não fiz por mal não, são os nervos, que me atacam a cabeça, as vezes perco a voz e a noção. Mas nunca tinha te visto tão linda. Sabe, mesmo sem olhar pra você, eu sei como vocês está, sei lá, deve ser meu instinto masculino que nunca falha. Eu consigo ver seu rosto, seus olhos por trás desses seus óculos, a sua roupa, a forma como você vai se sentar e a maneira como se ajeita na cadeira; eu consigo sentir até o seu cheiro sabe, ele vem quando eu menos espero e fica comigo, perto, dentro de mim. Vamos, não faça essa cara de surpresa não sua boba, isso não é lá muita coisa não. Mas eu sabia que ia ver o seu sorriso de novo.

Marcella Casari

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Ser: verbo de ligação

Fala baixo, fala baixo, psiu, calma. Por que você ta falando assim? Eu fiz alguma coisa errada? Por que você ta me apontando esse dedo, vai, não aumenta a voz assim não, eu to tentando ser perfeita pra você, mas não ta dando, eu cometo os mesmos errinhos e você sempre com essa voz. Não é a mesma do telefone sabe, porque a voz do telefone gosta da minha voz, dos meus apelidos, essa sua voz não sabe nem meu nome. Essa mão dona desse dedo indicador, não é a mesma que me abraçou aquele dia não, é outra, não é mais quente e protetora, essa mão não sabe encaixar na minha. Ta, eu vou colocar os óculos, e me desculpe se perdi aqueles brincos de argola, é que eu não tomo cuidado, sou meio desajeitada mesmo, mas não faço de propósito não, pelo menos meu óculos combina com a blusa verde. Será que de alguma forma ainda eu posso te agradar? Eu to bem mesmo amor, to mesmo? Linda?

Marcella Casari

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quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Cubra-me com os olhos

Vamos, levante-se já daí, as pessoas já estão pra chegar, vá trocar essa roupa, ajeitar os cabelos, e sorrir bastante, eu digo bastante, ninguém suporta o seu mau-humor. Ponha aquela blusa verde, a calça jeans de sempre, não me interessa, apronte-se, detesto seus atrasos inúteis, capricha na maquiagem, mas capricha mesmo, ninguém merece olhar pra essa sua cara amassada. Está me ouvindo? Vá por aqueles brincos de argola que te dei semana passada, não me diga que os perdeu, procure, enfie esses brincos nesses seus dois buracos bem rápido que as pessoas já estão pra chegar, deve ficar linda me ouviu? Linda. Vamos, rápido, detesto sua lerdeza, tenho que repetir, hein? Não, não, põe os óculos, já, rápido, esconde esses olhos provocadores da onde possa estar os meus, vamos cubra, já, não permitirei me distrair com essas suas palavras ditas quando me olha, quando joga pra cima de mim essas palavras duras, não vou permitir que me coma com os olhos, que me sugue as beiradas até ficar satisfeita.

Marcella Casari

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terça-feira, 18 de agosto de 2009

Sinto Muito

É uma saudade que não tem nome, nem forma, nem cor, nem cheiro. Saudade que impreguina na roupa, no cabelo, na mão. Que escorre pelo rosto, que palpita no peito e enche o pulmão. É uma saudade que machuca os olhos, morde os lábios e arranha a pele. Que inunda o corpo, deixa frio, deixa quente, azedo, doce, salgado, sem gosto, vazio, cheio. Saudade que mexe por dentro incomoda por fora, suspira.

Marcella Casari

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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Anel

Não se atreva a por a mão dentro do bolso da minha calça, aqui não tem nada, vá procurar na gaveta do criado-mudo vá, lá provavelmente terá algo que agrade essas suas mãos quentes. Seu anel não está comigo. Eu devo ter colocado perto da minha cabeceira, ao lado de um livro de páginas marcadas, mas não tenho certeza, ou deve estar dentro do armário, ou na gaveta do banheiro, ou então aos pés da cama, misturado com as minhas roupas sujas, ou no próprio cesto de roupa suja, ou sabe-se lá onde, acho que perdi, esqueci-me. Seu brilho era tão particular, eu sei, grosso, com o meio opaco, cinza, prateado, mas, mas como não achou? Já olhou dentro do meu bolso?

Marcella Casari

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domingo, 16 de agosto de 2009

Bom Dia

E por que você não vem comigo? Não percebe que ainda faz sol? Ainda é dia, existe luz pra iluminar o nosso caminho. Eu posso te dar a mão se precisar, te guiarei por essas ruelas estreitas, pressionando nossos corpos para ficarem juntos. Vamos, acalme-se, eu posso ficar do seu lado, ou a frente, depende de como desejar, venha, o dia está lindo e as pessoas estão nos esperando. Se precisar seguro a barra do seu vestido, ou te ponho no colo, te carrego nos braços, perto do meu coração, pra gente chegar mais rápido. Não, não me faça essa cara de dúvida, não desatine em lágrimas, cobre o rosto com o teu melhor sorriso, descubra esses dentes, vamos, eu quero vê-los, esses dentes dentro dessa sua boca. Dê-me a sua mão, essas delicadas páginas do meu livro. Solta esses cabelos, cubra a tua nuca com esses fios esplêndidos. Me leva contigo, deixe-me te levar pra lá comigo, as pessoas querem te ver. Venha que eu preciso te ter, venha que eu preciso ser teu.

Marcella Casari

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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A fraqueza mais forte

Eu não estou a ponto de partir ao meio. Nenhuma linha traça meu bom senso, não estou à beira da loucura, entre o alívio e a ânsia. Eu não estou partindo, nem me fechando ao mundo, não sou insensata, ingrata e cega. Eu não perdi o controle, não
deixei pra lá o discernimento e nem o sorriso na cara. Eu não perdi a alegria que você me dá, eu não perdi a vontade de te ver, não perdi o seu rosto da minha cabeça, a sua voz, seu semblante, seu sorriso, seus olhos, sua boca, suas mãos nas minhas, você do meu lado, eu não perdi a força de vontade, a coragem, a luta dentro do peito, eu não perdi a fé, a esperança. Eu perdi meus medos, esses eu joguei fora de mim, pra não desmerecer nada. Eu não reclamo atôa, mas eu te peço, perdoe-me por minhas reclamações inúteis, por minha pressa, perdoe-me por ser chata, insistente, inconveniente, apressada, mal-humorada, reclamona, grossa, nervosa, estressada, irritante, angustiada, perdoe-me por ser difícil pra mim, perdoe-me se te causo problemas, confusões.

Marcella Casari

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Faz chover

Deixo a tua chuva me cobrir, penetrar em cada poro do meu ser. Recompondo cada centímetro de mim, curando todos os meus males, salvando a minha alegria, rejuvenescendo o meu sorriso. Vem e toma conta da minha vida, de cada instante do meu dia, do nascer ao pôr-do-sol, iluminando meus olhos pra que estes possam ver a tua presença, sentir o teu amor e a tua misericórdia (...)

Marcella Casari

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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Esdruxulismo

Algumas canções sobrepostas na gaveta do meu criado-mudo, umas palavras escritas à lapis na beirada do meu caderno e uns pensamentos soltos no espaço. Lembro-me vagamente de uma cobiça guardada no meu peito, do mesmo lado uma saudade, do outro uma lembrança. Sabe quando o ar fica cheio, duro, espesso, grosso, chato de se passar no pulmão? Sabe quando o coração pressiona os outros órgãos, sentindo-se o mais importante do sistema circulatório? É assim que algumas vezes meu corpo manifesta seus sentimentos, um querendo ser mais que o outro, competindo por atenção, espaço, carinho, cuidado, proteção. Assim eu respiro menos, bombeio menos sangue, assim eu sumo. Sumo do mundo, é lá onde você vem me buscar, e só. Ai já viu né, o cérebro fica meio lelé. Tô me cansando dessas palavras esdrúxulas, bom, já dizia Fernando Pessoa:
"Todas as palavras esdrúxulas
Com os sentimentos esdrúxulos
São naturalmente
Rdículas".
Se não fossem essas minhas palavras esdrúxulas minha'alma se esconderia aqui mesmo, dentro de mim, expondo pra mim o que ela grita algumas vezes bem baixinho, eu confesso. As vezes o grito é baixinho, eu a calo muito bem. Meu coração não tem voz, meu pulmão nem escuta, e muitos dos meus sonhos eu ponho aqui, ou é invenção minha. Cabeça criativa que mente palavras. Mas outras são apenas, esdrúxulas.

Marcella Casari

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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Borá

Sentou-se na cadeira de balanço puxada cuidadosamente por seu marido, encostou-se completamente naquele espaço, pôs as mãos nos apoios, recostou a cabeça e prosseguiu a balançar-se de um lado para o outro. O homem, como de costume, catou o banquinho da cozinha e ali mesmo, sem encosto pro corpo cansado, sentou-se. Puseram os dois a trocar umas ideias calejadas pelo tempo, umas lembranças meio embaçadas, uns sorrisos realmente alegres, a voz de um confortando o outro, como um colo macio, que se deita quando se está doente de amor. Não faz nem muito esse tempo, o passado ainda está ao lado, tomam o seu café da manhã juntos. Um olha para o outro como a alguns anos atrás, os rostos modificados pelo cotidiano, a beleza acentuada, nos corpos usados. O sorriso da boca dele ainda cabe o mundo, ela ainda ri por ele. Os olhos dos dois focam pra um mesmo lugar, veem os filhos correndo pra lá e pra cá, descem a escada correndo, levam bronca da mãe, caem, se machucam e tomam o cuidado do pai.
Apreciam sempre, todas as tardes a mesma paisagem, do sol se pondo ao horizonte, o céu avermelhado, o calor, a brisa correndo na pele, nas roupas, nos cabelos. Ela se levanta carinhosamente dali e chama os filhos para tomarem banho, está perto da hora do jantar, ela gosta de ver a família reunida em volta da mesa. Ele a pega pelas mãos, aproxima-a de si, trocam uns carinhos e entram dentro de casa, numa mão o banquinho da cozinha, na outra, a mão da mulher, fecham-se ali.

Marcella Casari

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terça-feira, 11 de agosto de 2009

Cotidiano

Não gosto desse gosto amargo que o meu estômago me devolve depois de um sonho entorpecedor. As minha mãos analisam toda a superfícei onde estou deitada. Meus pés descalços sentem o frio cutucá-los com as pontas dos dedos, cócegas inquietas. Levanto-me. Pego o cobertor que já está no chão, volto a envolvê-lo a mim, protegendo bem meus pés, escondendo meu corpo, minhas mãos. Volto a sentir o gosto amargo, amargo ou azedo, áspero, ácido, corroendo minha garganta desde o meu coração. Meu coração repuxando, ansiando, meu pulmão calejado. Respiro fundo, o ar vem com poeira e incomoda, meus olhos ardem, lacrimejam umas lágrimas descontroladas que molham meu travesseiro. Enxugo minha face, enrrugo o rosto colocando minha mão sobre ele. Já é hora de acordar. Ponho-me de pé, um pouco desentusiasmada e vou embora. Meus pés sabem o caminho, meus ouvidos aproveitam a música do celular e se desligam do mundo, guardo as mãos dentro do bolso, o rosto descoberto, minha boca apertada pra não se deixar calejar pelo vento. Minha mochila pesa. O frio me deixa cansada, as pernas ardem, as mãos congelam, os lábios secam. O sol alumia bem pouco a minha frente, meu caminho meio azul, colorido só do céu, e das casas, vejo "Jesus" escrito na parede e dou um sorriso, um sorriso meio vago totalmente útil. Quem sabe são meus sonhos, minha energia (...)

Marcella Casari

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domingo, 9 de agosto de 2009

Germina o meu Feijão

Se me pegar de flechas nas mãos, estou preparada. Minha voz calou seu tom, meus ouvidos se prontificaram a atender o chamado. Caso minhas roupas estejam puras, minhas mãos não cessam de levantar louvores, seja uma glória dada por alegria, seja glória por tristeza. Minha vontade escondeu-se por entre as folhas de suas próprias raízes pra dar vazão a um sentimento muito mais amplo. Perdia-me de encontrar tanta luz, o sal emana do meu corpo, como tempero, sal que dá sede, anseio. Luz que alumia, que incendeia (...)

Marcella Casari

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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Afeto Dominical

Era meio-dia, já estava tarde e resolvi abrir a janela do meu quarto. Tinha acabado de acordar e a luz do sol penetrava com cuidado dentro da minha pupila, contraindo-a pouco a pouco. O quintal brilhava dourado e a árvore do vizinho estava mais verde e carregada. O calor fazia meus poros se dilatarem, o pouco suor já escorria por entre meus cabelos, minha nuca, minhas costas, estava determinada a ficar ali. Sentei-me e quase me deitei no chão que refletia a luz. Sentia-me sozinha a aproveitar o calor, o sol, a companhia imaginária, eu sonhava acordada, sonhava de olhos meio abertos, não encarava o sol e o sentia assim, tão próximo que quase minhas mãos podiam envolvê-lo.
O mesmo céu refletia na minha mente a sua imagem, o seu contorno bem preto, marcado, forte. Começando pelos seus pés que logo iam pra suas pernas, cobertas por uma calça também escura, uma camiseta clara, branca, leve, que mal contornava seu corpo. Seus braços descobertos, suas mãos vazias. Seu rosto tinha o contorno leve, bem iluminado, seus óculos escondiam de mim seus olhos, seus cílios bem levantados, suas sobrancelhas mal desenhadas, a curva da sua boca e do seu rosto (...)

Marcella Casari


"Eu não consigo me ver sozinha longe de você" .

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terça-feira, 4 de agosto de 2009

Bobo da Corte

Eu gosto da cor dos seus olhos, do contorno deles, dos seus cílios bem levantados, suas sobrancelhas mal desenhadas, a curva da sua boca e do seu rosto quando você sorri. Eu gosto quando você sorri e eu vejo uma alegria dentro da sua boca que não cabe em nenhum outro lugar, gosto do tamanho das suas mãos, do fato delas serem quentes e suaves, eu gosto do tilintar da sua voz no ar, o desenho que forma na minha cabeça quando você fala é tão bom. Eu gosto quando seus olhos perseguem os meus, e eles ficam ali parados, um pro outro e só.

Marcella Casari

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