sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Em primeiro lugar me deixaram sozinho, perto de uma folha de papel e um lápis. Em segundo lugar, não deveriam ter feito isso, ou deveriam, sem isso eu não estaria escrevendo mais umas palavras pra que qualquer um lesse, e devem ler, deveriam. Se estou aqui trancado deixo escorrer essa sinceridade por entre as minhas mãos, o suor fedorento de homem, preso, sufocado, a solidão me deixa esse cheiro insuportável, as unhas sujas, o calor. Estou deixando a folha molhar, minha letra borrar, minhas palavras sumirem. Agora eu não ligo se está dia ou se está noite, daqui a pouco a luz dessa vela morre e fica tudo igual. Eu tô sem relógio, e daí, não sei ver as horas. Tô sem tênis, e daí, não tenho pra onde ir. Eu tô sem escova de dente, e daí, não tenho o que comer. Não se compadeça do meu sofrimento, não há sofrimento algum, ao menos enquando minhas mãos úmidas percorrerem essas linhas, e eu deixo bem claro, esqueci de deixar comida pro cachorro, tá ali dentro do armário da cozinha, bem no fundo. Falta-me ar, estou mergulhado em meu próprio rio, inundado, coberto de água, água que escorre no corpo, do meu corpo pro chão, o vento que vem da fresta da porta arrepia meus pêlos, um suspiro, um ar, uma pausa para descansar as mãos, a saudade, a melancolia jazendo comigo. Não deixem a janela fechada por muito tempo. Mas não precisam abrir a porta (...)

Marcella Casari

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