terça-feira, 1 de setembro de 2009

Amir

Amir carregava sobre si o peso do mundo. Alguma parte desse peso, ele pediu pra ter, outra foi simplesmente jogada em seus ombros, como se o corpo esguio dele pudesse carregar mais do que seu próprio organismo. Eram sorrisos, tristezas, brigas, discussões, lágrimas, abraços, socos, pontapés, beijos, todos ensacados em sacolas plásticos de supermercado e jogados sobre Amir, o rapaz tinha vocação pra capacho. Assim foi com seus pais, avós, tios, e é claro, com sua ex-namorada, que agora não suporta nem olhar pra cara dele, que diz com uma ênfase surpreendente que perdera anos preciosos de sua vida nas mãos daquele, capacho. Alguma coisa de muito ruim ele devia ter feito, talvez tenha sido ele que pregou Jesus Cristo na cruz, ou então aquele que se esqueceu a data de aniversário de namoro, ou o feriado mais importante para sua mãe, ou então que tipo de palavra não agrada um pai. Independente se seus erros cômicos ou não, Amir tinha esse jeitinho todo especial, que atraia qualquer um pra despejar em seus ouvidos palavras muitas vezes rudes, as orelhas dele eram como um vaso sanitário, um banheiro público, que bastava dar descarga pra que toda aquela porcaria que havia dentro do indivíduo fosse embora. Amir era a própria “bosta” descendo pelo esgoto. Por mais que se sentisse entupido de palavras sórdidas, punha no rosto pálido um sorriso que mal podia valer a pena, não conseguia enganar nem se quer o porteiro do condomínio, que, aliás, odeia Amir. Caso amor fosse medido com memória Amir não seria muito bem valorizado, não confiava em seu cérebro nem pra pagar a conta de telefone, ainda mais para dar parabéns em festas de aniversário. Se fosse medido com palavras, Amir morria em silêncio, mas não abriria a boca pra declarar nada, nem sequer um muito obrigada depois de colocarem coca-cola em seu copo na hora do jantar, nem um, por favor, nem nada. (...)

Marcella Casari

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