terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Página Amarela

Biblioteca Municipal. Rua da Solenidad, número 547. Meus livros (futuramente) preferidos ficavam do lado direito, numa estante nova, bem organizada, que cheirava a páginas velhas. As revistas ficavam sobre as mesas numeradas espalhadas por todo o prédio. A princípio tive receio em me sentar numa daquelas mesas, eu não conhecia bem as pessoas que iam àquele lugar, meus colegas de classe com certeza preferiam estar dentro de seus quartos ou salas de jantar a estar ali, provando que tinham algum interesse em ler fora da escola. Eu tive medo. Mas a curiosidade me instigava. Puxei uma cadeira, sentei-me cuidadosamente e folheei algumas páginas, passando as palavras pelos olhos, sem o interesse de decifrá-las e entender o contexto maior que as organizava.
Passadas duas horas e eu não havia formado nenhuma frase que fizesse sentido, não que as palavras emaranhadas nas folhas não me deixassem desejoso de conhecê-las mais e mais, mas eu tive receio de me pregar nelas e desviar a atenção do movimento que me rodeava. Bom. Movimento nenhum, apenas eu a revistas e todas as cadeiras vazias.

Até que meus olhos crucificaram-se numa imagem que mais tarde resumiria toda a minha vida. Uma mulher. Não. Não que eu nunca tivesse visto uma mulher daquele jeito. Mas não foi o jeito dela. Foi o meu. Eu tinha nove anos, poxa. Eu estava em uma biblioteca, cheia de livros, revistas, palavras, informações, detalhes, corpos esculpidos com perfeição. Calma. Eu disse corpos esculpidos com perfeição? Sim. E ali eu vi até a sombra que o corpo dela despejava sobre o chão do estúdio fotográfico, apenas ela, algumas luzes, o fotógrafo e atenção. Muita atenção. Ela era perfeita, até aquele momento ela era a única coisa perfeita daquela biblioteca. Não resisti e a levei comigo, rasguei aquela página da revista, dobrei com cuidado, coloquei no bolso da calça e sai correndo. E eu gostei de tê-la posto no bolso da calça (...)

Marcella Casari

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