sexta-feira, 3 de julho de 2009

Amália

Amália senta-se no sofá, roe as unhas da mão direita e dá um suspiro bem forte. Toma com essa mesma mão o copo que está a sua frente e bebe um gole bem grande do suco de laranja que sua mãe preparara. Ela está ali a pouco, e já se levanta, toma um ar gélido que entra pela porta da sala e caminha de volta pro sofá, ela procura, espera, mas não chega. Amália corrompe todos os dias a lei do amor, mas já se acostumou a isso e continua na mesma hipocrisia de estar ali sentada, roendo as unhas, lamentando-se de seu próprio coração. Amália machuca. É apenas uma garota. Levanta-se e vai ao banheiro, enxugar o rosto molhado, as lágrimas que escorreram ali, não quis comentar, pois não são dela. Ela sentiu. Sentiu sim e só esse incômodo a fez sair do sofá pra um outro lugar, um outro lugar que não tivesse calma e ausência de culpa. Ali, no sofá amarelo e desbotado Amália esconde a culpa, na verdade, tenta disfarçar que tem alguma culpa, tenta disfarçar que ainda sente alguma coisa por dentro, ou é só o vento que toca sua pele.
Amália volta, com um pouco do trauma das lágrimas de outro, volta com a cara lavada. Minuto após minuto lamenta, lamenta como se de amor ardesse suas mãos, como se fosse ela mesma quem tem dentro de si uma chama, forte e latejante. Age como tal, como amante, que sonha, que deseja, que marca a si próprio sua solidão, essa fartura de solidão, uma paixão não consumada, que Amália toma pra si, aperta, espreme todo o essencial e subtrai apenas o que lhe causa bem, acha que tem o mesmo, que pode ter. Amália levanta, calça os chinelos, ajeita a roupa, levanta a calça, ajeita o cabelo e sai da sala. Ela sofre. Mas só ela sofre?

Marcella Casari

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5 comentários:

Leticia Goes disse...

narrativa pscicológica...
amo

Lééo Niiz disse...

quem sabe algum dia, eu tenho uma criatividade dessas! Muito bom!

Utak disse...

não vá se machucar muito, Ok?
Cuidado com as unhas...
De resto, o tempo demora pra passar, mas passa, juro que passa.

Danieel disse...

...que a chama forte e latejante do amor de amália continue tocando seu coraçao pra vc continuar fazendo esses textos maravilhosos. Parabéns!

Tainá disse...

Muito bom!Mas como já havia te dito estranhei o sofá ser amarelo e não verde! :D