Minha mãe bem me disse quando eu já estava pra sair de casa: menina, toma cuidado que as coisas não são mais as mesmas. Mas eu olhava pra rua e não via nada, eu olhava pra calçada e não enxergava, olhava pra mim e nenhuma diferença, nenhuma novidade. Mas durante o caminho, com o passar dos passos, com o andar dos pés começava a brotar em mim uma desconfiança discreta de que as pessoas me olhavam com canto dos olhos e diziam umas às outras umas frases curtas que mal davam pra entender. De fato algumas dessas palavras vinham me cutucar as orelhas e eu dispersa olhando vitrines mal podia decifrar. Eu olhava a hora e os ponteiros desciam e subiam e em qualquer esquina que eu virasse surgiam novas pessoas, novos olhares e provavelmente as mesmas palavras. Incitava-me uma curiosidade demasiada, quase que me virei prum rapaz e perguntei se tinha alguma coisa errada comigo, mas fiquei com medo da resposta. Mais medo do que curiosidade. O fato é que minha roupa não era nova, meu sapato já tinha uns anos e naquele momento julguei estar sendo observada não pelo que as pessoas viam em mim, mas por estar sendo vista por dentro. Os olhares sobre mim iam descamando invisivelmente a minha pele e os meus cabelos desciam pelos ombros, sem senti-los, da mesma forma que meus olhos reluziam um brilho diferente, novo, que se colocava à frente das pupilas, minhas unhas eram outras por baixo do esmalte e ninguém via, nem sentia, nem ouvia, mas acontecia. E todo mundo a minha volta percebeu que algo em mim não era mais o mesmo. Os meus vinte anos iam surgindo e as pessoas percebiam, as pessoas comentavam. Porque não era só uma diferença numérica, era uma metamorfose completa.
Marcella Casari
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