terça-feira, 20 de julho de 2010

Farol do carro

Eu não costumava parar pra me arrepender dessa forma. Antes eu fazia, e fazia bem feito. Depois eu ficava pensando nas consequências. Fossem elas boas ou ruins. Mas eu ficava em silêncio, ouvindo gritos abafados pelo som alto da música, ou pelos pedidos desesperados que as vizinhas faziam pra que fizéssemos silêncio àquela altura da madrugada. Eu sinto que não estava pronta pra assumir pra mim mesma que eu e minhas amigas crescemos. Isso. Espante-se tanto como eu me espantei quando me dei conta que não iríamos brincar de uno, nem assistir a um filminho bacana (já nos colchões, prontas a dormir antes do sol nascer).
A noite que eu vi começar só havia lua num céu escuro avermelhado. O chão era gelado, eu me preocupei em sujar a minha calça, não era bem o que eu queria, estava apreensiva a respeito do meu sobretudo, não queria encostá-lo no chão de maneira alguma. Estávamos sentadas na calçada sem a mínima noção de horário brincando de brincadeira diferentes, ouvindo respostas aparentemente novas, sabendo dos segredos. E havia um cheiro forte, que fazia meus olhos lacrimejarem. Eu dizia não. Fui bem determinada e confiante. Eu disse não porque eu queria dizer não. E não. E não. E não.
Eu ouvi risos a noite toda. Eu ouvia gritos, risadas, o flashe da máquina, a luz forte que vinha dela. Depois o céu que eu via havia mudado. Claro. Nós havíamos mudado. Fomos pra um lugar distante, bem longe da calçada úmida. Aliás, lá não havia calçada, nem muros, nem casas, nem vizinhas ameaçando chamar a polícia. Éramos apenas nós, olhando o céu mais estrelado do mundo inteiro, sentindo o cheiro da neblina que vimos passar, perfume masculino e álcool. Saia fumaça da minha boca, o frio era incrível, a falta de iluminação causava tremeliço nas pernas. Eu olhava pra cima e girava. Era tão lindo. Minha cabeça doía, mas e dai. O farol do carro desligado. Um silêncio cheio de aventura e um pouco de medo também. Eram duas e pouco da manhã. Outras pessoas das quais eu amava mais que tudo estavam dormindo, e eu estava lá, tão longe, carregando todo mundo de importante na minha mão pra que quem não estivesse ali conosco, estivesse de alguma forma. E estavam. Eu sei que estavam.


Marcella Casari


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2 comentários:

Ana Carolina Vingert disse...

sempre que eu leio o que você escreve eu me sinto na cena que você desenha

e eu tô precisando me sentir mais feliz... =)

Utak disse...

você ainda escreve lindamente. Gosto muito de ler seus textos ^^
Mas desculpe se me ausentei muito, não estava muito bem pra ler textos melosos sobre paixões a amores...