Ele tinha um acesso fácil às minhas necessidades e
carências. Deixa um homem perto de uma mulher como eu e vê no que dá. Quase
nada. Mas esse quase nada, numa crise de meia-meia-idade é muita coisa. É
quando a via está obstruída de caras muito cheios de si e de sorrisos espaçosos
e chega um homem meia-boca e de cara amarrada pra mudar o rumo das coisas. Eu
estava de saco cheio dessas mesmices, desse cotidiano piegas e ele vinha com um
papo esquisito, de um jeito incomum e sério. Muito sério. Sem piadas. Sem indiretas.
Sem meias-verdades. Vestido e encarnado de escárnio, ofensas e ironia. Muitas
mulheres apresentariam a porta de saída pra ele, mas eu estava mais interessada
em ver como alguém poderia ser tão chato, tão irritante e envolvente daquele
jeito. Eu disse bem-vindo à minha crise de meia-meia-idade e ele rude, não
disse muita coisa. Mudou de assunto. Ser solícito e gentil. Isso não é com ele.
Eu prometia pra mim mesma: larga mão de ser boba, mulher, ele é um pé-no-saco!
Mas e daí? Eu sou mil vezes mais pé-no-saco que muito cara por ai. E olha que
tem como eu ser assim com muito mais eficiência. Era uma espécie de competição.
Dentro da minha cabeça. Ele me tirava de campo o tempo todo e eu voltava, pelas
beiradas, disfarçada de desinteressada e ele me deixava jogar. Até que eu
propunha alguma coisa mais séria, um papo mais de verdade, umas coisas mais
reais, mais honestidade, mais sinceridade, mais verdade, mais, mais e nada.
Silêncio era um charme pra ele. Silêncio, seriedade, cara-fechada, sorriso de
canto de boca e outras coisas que eu reparava enquanto tentava voltar por
outras beiradas, com outros disfarces. Desarmada, desprotegida, vulnerável. Mas
nada mais funcionava. Nada mais funcionou. E as vias se obstruíram de novo,
desses caras bonitos, cheios de si e de sorrisos espaçosos.
Marcella Casari
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