E não me importa o tempo que passou, a poeira por sobre a cômoda do quarto, nem o vidro mal colocado sobre a mesa de centro da sala. O importante é o estado conjugal que nos encontramos agora. Totalmente mergulhados e ensopados até as pontas de tanto amor, e não aquele amor vazio, repentino, que mexe com o sexo e não com o coração, é aquele amor que causa amor, que sofre amor, que respira amor, amor por si só, independente de ausência ou presença, de beijos ou de brigas. Não é simplesmente estar casado e viver dessa comunhão, é um estado, é outro verbo, o verbo ser, verbo de ligação tanto quanto estar, mas com nós mais firmes, não nós que prendem, que murcham, mas nós de sentimento, nós de carinho, de beijos, de abraços e cafunés estendidos até a madrugada.
Ela nunca gostou muito das minhas brincadeirinhas, sempre que dizia a ela que não a amava mais ou que a letra dela é feia ou então pra ela me dizer quando não gostasse mais de mim. Ela sempre se sentia insegura quando minhas palavras a invadiam de medos e incertezas, mal sabia ela o tamanho do meu amor. Mas nunca deixei de amá-la. E ainda amo, apesar do vento que enruga a minha pele e do gosto ser sempre azedo ao passar pela minha garganta. Mas eu nunca me importei mesmo, se a comida tinha mais ou menos sal, ou se o doce não era doce. Os lábios dela contornando a minha boca de saliva mexiam com toda a percepção de sabores da minha língua, eu já não podia sentir o gosto de mais nada, só o sabor indecifrável da boca dela mordendo a minha, a boca seca com saudade da dela. E ela não pode ficar longe de mim por muito tempo. No começo achamos que íamos enjoar de tanto grude, mas a nossa liberdade tinha saudade de ficar junto, de por os braços em volta um do corpo do outro. Ela ainda diz baixinho no meu ouvido, Eu te amo, Lucas! E eu ainda sinto o mesmo arrepio na nuca toda vez que o calor da boca dela encontra os pelos do meu pescoço e desmancha minha coragem em uma vontade louca de tê-la ainda mais perto.
Não sei o que me dói mais. Se, são os beliscões que ela está me dando agora enquanto digito essas palavras meladas de carinho, ou a saudade que sempre me dá das mãos dela acariciando meus dedos indicadores, ou dos dedos dela brincando com a minha boca, com a minha língua. Ela nem imagina a sensação de paz que encontro em meio a selva dos dedos dela percorrendo meus inúmeros caminhos, minhas trilhas. É marcante a saudade que ela sente de mim, Chega a ser hipócrita tamanho egoísmo que ela sente, tamanha possessão, mas eu sempre fui loucamente apaixonado por todo esse egocentrismo que exige de mim a presença mais próxima, a distância mais próxima, o carinho mais próximo, os beijos mais próximos, as discussões mais próximas. No início sentia-me um pouco sufocado quando os braços dela não me deixavam partir quando eu tinha que partir, ou quando eu precisava do meu tempo comigo mesmo, sem mulher, sem nada, só meus pensamentos, minhas divagações. Ela nunca tolerou minha ausência estar do lado dela, quando o que ela mais precisava era de mim. E eu nunca precisei dela, eu apenas quis, e quero, e vou querer. Ainda as cócegas que ela me dá liberando da minha boca os risos e sorrisos prediletos dela, e o mais bonito é ela rir de volta, aceitar meu convite de viver uma vida lado a lado e não sozinhos. Jamais. E é esse ponto que quero discutir, contar, revelar. Talvez nossas vidas pareçam simplesmente Lucas para Sophia e Sophia para Lucas, mas o amor que somos não vem de nós..
Marcella Casari
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