O que ele precisa está bem ali. Bem ali, à direita. Não. Mais à direita. E um tanto do outro lado, onde seus olhos não alcançam. Uma curva sinuosa, que desliza, uma curva um tanto íngreme, áspera, azeda, cheia de outras curvas. O nome dela sinaliza outros pensamentos, complicados de se desvendar, armas secretas que atiram cegamente e deixam o alvo mais atônito que o próprio atirador. Carlos sossega na cadeira, ajeita-se pacificamente, ajeita os óculos com o dedo indicador da mão direita, levanta as mangas da camiseta e deixa o corpo baixar um pouco para se sentir um pouco mais confortável. Não sabe se sai ou se fica na cadeira, não sabe se bebe um copo de água ou a jarra toda.
Ele toma umas decisões e levanta-se da cadeira direto para sabe-se lá onde, estava ali todo acomodado, a cadeira está até quente por causa do calor que emana de seu corpo, deixando uma marca de dedos suados nos “braços” da cadeira giratória. Carlos pega um copo, enche de água, bebe, bebe sem parar, coloca o copo sobre a mesa e dá um suspiro de satisfação, repete a dose, repete mais duas vezes e se apóia contra a mesa, apóia-se de costas, colocando todo o seu peso sobre suas mãos. Ele sai dali com um ar purificado, vai ver foi a água, a água pura congelando sua garganta, ou então o alívio de sair daquela sala impregnada com uns pensamentos, complicados de se desvendar.
Seus passos tornam-se severamente mais rígidos, fortes e marcantes, impactam ao tocar o chão, fazendo um barulho incômodo e inusitado, parece música pra quem vê, é um furor pra quem anda. Carlos o dono daqueles dois pés que marcham, não andam, marcham, causando ao redor um conflito, os ouvidos já cansados se incomodam. Ele mesmo se incomoda e resolve se sentar. Puxa uma cadeira, acomoda seu corpo, sua alma, seu coração. Ali, na frente de outras pessoas, ergue as mãos pro céu, e clama, sim, em voz alte ele pede socorro, ele pede por ajuda, por um auxílio, podia muito bem esperar um pouco, trancar-se no seu quarto e sozinho se desmanchar, mas ele não quis outro lugar, ele não quis, ele escolheu. Ali desmancha-se diante de Deus e de outros homens que fingem não estar vendo, que fingem não estar ouvindo.
(...)
Marcella Casari

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